Senhora Márgara

“Cinqüenta a consulta”, dizia o cartaz de papelão

que estava no muro mal acabado e lodoso da casa,

A qual me informaram que vivia a Senhora Márgara.

A aproximação foi meio insegura,

Quando eu percorria os becos do subúrbio

Buscando informação sobre a conhecida senhora,

Eu constantemente segurava minha carteira no bolso,

De modo a ter certeza de que ela estava ainda ali.

Bastou-me perguntar três vezes para eu encontrar o que procurava,

“no fim da rua sem saída”, me informaram.

O muro era de alvenaria e sentia-se a fragilidade da casa anosa

Quando se comparava o estado ruim dos telhados de barro,

Com a tonalidade das nuvens muito escuras no céu.

Sustenta-se entre os dois muros tortos um portão enferrujado,

Bati então quatro vezes no portão, acho que foi demais,

O barulho era seco, mas alto.

Talvez pelo silêncio no fim daquela rua sem saída à tarde,

O estranho é que não havia crianças.

Pensava em muitas coisas ao mesmo tempo,

Como e por quê estava ali,

Quando fui interrompido com um convite a entrar.

Aquele convite soou como uma ordem,

Pois não me sentia seguro lá fora,

E mesmo assim o silêncio da casa me assustava.

Deparei-me com um ambiente escuro,

O único cômodo da casa,

De onde se enxergava entre as plantas

Uma porta pequena e entreaberta para os fundos.

A única luz além da que vinha da porta encostada,

Era uma lâmpada amarela no centro do teto baixo,

Que mais me incomodava os olhos do que iluminava.

Havia uns quatro gatos, um deles sobre um balcão,

No qual atrás, numa cadeira rústica de madeira

Estava sentada a Senhora Márgara.

Meu coração batia forte, talvez pela estranheza do lugar,

Mas minha ansiedade de saber meu futuro me consumia vivo

E eu não ia desistir apenas por isso.

As plantas me tocavam naquele espaço curto,

Onde havia plantas demais, gatos demais,

E eu me incomodava,

com a frescura de quem ama.

Eu nem perguntei a dama velha ali sentada

Sobre ela ser ou não a Senhora Márgara,

Pois esta tranqüilidade misteriosa

Era o que eu imaginava das cartomantes,

E também o fato de só haver ela na casa me ajudava a deduzir...

Com seus olhos que mal abriam, olhou-me de baixo pra cima,

Fixando-se finalmente nos meus olhos

E pediu-me então para sentar-me.

A posição alta de sua cadeira,

Dava-me diante dela a sensação de ser um ser inferior,

E sentíamo-nos sufocados pela poeira

Daquele tecido encardido sobre a mesa.

Inicialmente não pus meus braços sobre a mesa,

Era um sentimento burguês de nojo.

Ela pôs de lado as cartas úmidas na mesa.

E com os olhos ainda fixos nos meus,

Praticamente convidou-me a falar.

Baixei o olhar e pus a nota de cinqüenta em cima da mesa.

Com certo receio de que o gato ia abocanhar,

Pus a nota do lado oposto.

Então me virei novamente aos olhos dela, ainda fixos.

Não sei sinceramente se foi um sonho,

Acho que aquela noite eu bebi demais.

Esta nova cidade, esta nova sensação, meu sentimento de tê-la e não poder,

Todas estas coisas contrariam-me muito.

Tento achá-la dentro deste copo de vinho,

Ou esperando que ela surja repentinamente,

Bata na minha porta agradecendo as flores que não enviei.

Ouvi-a certa vez, dizer sobre sua cor predileta.

Mandarei rosas vermelha embrulhadas em plástico azul

E então quem sabe ela virá.

E se demorar de vir, sou eu mesmo que vou chegar.

E no ramalhete de atitudes terá algumas palavras:

“Espero-te ainda esta noite.”