A carta caiu
A carta desistiu do baralho no qual se encontrava
Decidiu esquecer a dama, o rei, o valete e o restante da vassalagem
Os jogos são feios
Neles as cartas andam de mão em mão
São manipuladas, amassadas, movimentadas com más intenções
Mas, em sua caída foi possível perceber o quanto o baralho andava sujo e feio
Não era por acaso que ela escorria entre as outras cartas
Por vezes foi descartada
Noutras ocasiões foi a carta na manga, mas tais condições foram efêmeras
Ciente das suas constantes e atabalhoadas tentativas de vida
A carta, agora fora do baralho, decidiu por sobreviver
Tentou apostar na amizade com outras como o três, o nove ou o dez. Todos covardes
Venderam a alma ao rei e o corpo ao valete
Optaram pela opressão da rainha
A carta cinco, amada por sua capacidade de movimento nos jogos, foi enamorada
Mesmo caída ela tentou, convidou, brigou, amou e cansou
Tantas vezes defendeu-a
Amargurado a largou para lá
Devagar a carta foi se afastando dos pés cruzados e com pouco movimento
Lentamente se fez por esquecer
E caiu dentro da vala suja próximo ao banheiro da vida
Por dias úmidos ficou ali
A faxineira desatenta limpou a casa
Um balde d água foi jogado em abundância
A água embebedou-a, sufocou-a e a fez sofrer
Cansada, deixou-se levar
Seguiu o destino de todo o fim
O esgoto do dia que a carta caiu...