Metade

Não sei que acaso,

ou que anjo raso,

deu-me o sonho que te contarei:

Foi na época em que viajei

e que entre misérias cinzas

e toscas marimbas

vi a mulher que me fez ficar quieto,

na meia distância de longe e de perto

e com a certeza do todo incerto.

Tão cansado de tudo

queria ficar mudo,

mas a paixão chegou

após uma seca de dois anos

e de mais de duzentos planos.

E a amei esperançoso

de que nela estaria o gozo

de uma nova vida nova.

Enfrentei desafios e provas,

plantei um jardim e algumas trovas,

e colhi Lirios

e beijei-lhe os cilios

e rezei a todos os cirios,

até que num Tempo que não sei

pude dizer: vivi. Eu te amei.

Mas o anjo torto de *Carlos,

anunciou-me o fim daquela serenidade

e hoje, moça, só há essa bruta saudade.

E a sensação de ser como Aasverus**

e sempre caminhar pela Eternidade

em busca de Lilian, minha outra metade.

Para Lilian, meu motivo.

* Referência ao "Poema das Sete Faces" de Carlos Drummond de Andrade, mestre maior.

** Aasverus - o "Judeu Errante"