Tapete de Magma

Um beijo invertido, um desses beijos culpados, ousados, bandidos, como um lenço-mordaça, enforcou teus protestos, estancou o teu choro e enxugou tuas lágrimas.

Um abraço apressado, faminto, algemou os teus medos, libertou teus olvidados instintos, encarnou tua vadia, num local impreciso, num instante fugaz.

Uma indistinta, nebulosa mistura, de pavor e desejo, de hoje quero, não quero, amanhã não sei mais, enche o dia de sol, de sons abafados, de suspiros, de ais

Uma estranha mordida, uma língua mais ávida me convence de pronto que o teu seio é um vulcão, que este vale em tuas coxas é um tapete de magma.

Réu confesso abro mão de pretextos; meu fracasso revelo: quedei-me absorto no limiar de tua cela de portas lacradas, a ressurgir semi-morto em cíclica reverência

A tua punitiva, inoportuna e imponente, vestal abstinência. Tuas vestes impudicas escondem invictas jazidas, teus dentes fazem oferenda em altares pagãos.

Uma caravela parada em mortal calmaria, entre portos indecisa, suas velas enfuna com teus sorvos de ar, tuas estrelas cadentes orientam meu rumo, quando dizes convicta: - prossiga! Não pares...não há mais senões.

Não há mais voz prá minhas prédicas, só murmúrios da garganta me saem: um grunhir inumano a tuas orelhas me guia, em tua nuca sucumbo, impropriedades me traem – irei cumprir penitência.

Viandante perdido em tua pele-deserto, tua meteórica presença, teus oásis-quereres incertos, fustigam minha alma, atormentam minha paz.

Mas ficar sem te ver é impiedoso degredo, suplício feroz; meu Ser casca de noz de penhascos se atira, se de mim tu retiras teu olhar, tua voz, teu sorriso sem jeito,

Teu andar meneante, teus tesouros-cabelos, teus inúmeros trejeitos: o impossível me pedes, teus sonhos eu prescruto, teus anseios secretos, teu beijar escorreito.

Despejo aqui nestes versos, minha fome perversa, meu querer sem quartel; és tu abelha-rainha a querer minha cabeça permutada por mel; preso em tua colméia em sentença veraz...

Troca mais do que justa: além da cabeça ofertada em prateada bandeja – tu terás muito mais.

Vale do Paraíba, manhã da primeira Quarta-Feira de Novembro de 2009

Anonimamente sinto-me reencarnar Ovídio, o poeta romano que simbolizou o feitio de odes ao Amor. Acrescento ao lúdico poeta do Lácio um outro vate, este latino-americano, de codinome Pablo Neruda, para mim, o que melhor simboliza a junção de carinho e tesão quando se trata de falar de amor: ele o faz como se deve – com a alma.

João Bosco (Aprendiz de poeta)