VERSOS AOS FILHOS E AOS PAIS
VERSOS AOS FILHOS E AOS PAIS
J.B.Xavier
Eu me lembro de já ter feito esse pedido,
De ter visto o oceano nos olhos de meu pai...
Eis uma imagem que nunca se esvai,
O suspiro que ouvi, entrecortado,
Abandonando o peito dolorido...
Então quando me pedes
Que eu não mais me meta em tua vida,
Tiras-me o que me concedes:
Minha vida e o meu próprio ar...
E se, como pedes, algum dia
Eu já não for mais parte de tua vida,
Acredita, neste dia, pararei de respirar...
Porque certamente eu renasci
Precisamente no dia em que nasceste
Queria que tivesses senso de direção
Quando ainda engatinhavas,
Mas não tinhas, e me levavas pela mão
Em nossos longos passeios
Em alguns metros quadrados de jardim...
Queria que não precisasses de mim
Quando deste os primeiros passos,
Mas, vacilante, eu te apoiei quando caías
E sorri em tua felicidade, quando sorrias,
Vigiando teu sono quando dormias,
E desses sorrisos ainda guardo todos os traços
Hoje, que te vejo no viço da juventude, na idade
Em que pensas ter tua liberdade...
Queria que soubesses que és tão prisioneiro quanto eu,
Que teu destino é meu destino, e que meu destino é o teu...
Que ao cresceres, comecei a te descortinar o horizonte
E enquanto crescias, comecei a te mostrar a fonte
De onde vertem teus princípios e tuas próprias vontades,
Porque, acredita, isto sim, serão tuas eternas verdades...
Eu queria não ter essa saudade,
Nem essa preocupação com teu futuro
Não lembrar do quanto foi duro
Quando me pediste
Para não mais me meter em tua vida,
Porque foi como se tivesses me pedido
Para que eu ignore que o universo existe...
Eu queria não sentir a falta que sinto
Do teu abraço,
Do teu calor em meu regaço
Quando ao cansar das brincadeiras
Dormias com um sorriso em tua face,
Na paz só possível às crianças...
Eu queria não ter mais essas lembranças...
Queria que aprendesses, como eu aprendi,
Que isto que me pedes
Eu fingirei cumprir
Porque em teu pedido, sem que o saibas, a ti próprio concedes
Uma dádiva que será tua maior lição:
Com ela aprenderás que sentir
A alma pulsante do filho que ganha o mundo
É reduzir toda uma vida a um só segundo
E nesta ínfima gota de tempo, seguir
De uma extremidade à outra da existência
No longo penar da dolorida ausência
Que por fim unirá um dia nossas estradas num só trilho...
E então caminharás ao lado de teu pai,
E eu caminharei ao lado de meu filho...
* * *