Homem de lata
Devo dizer do homem de lata que sonhou amar,
o mesmo homem que ousou criar e recriar
o que no mundo resumia-se em sonhos.
Devo dizer dos sonhos enlatados no homem que amou,
o mesmo homem que um dia provou da boca que
cantou o triste encanto dos que amando,
viram-se nos mesmos velhos sonhos, perdidos e abandonados.
Devo dizer de um mundo que não sorri, não canta, não ama,
ou do homem perdido em meio ao tudo que sempre quis,
dizer da morte beijando a vida
ou da mesma vida empenhada na luta de ser feliz.
Devo dizer do muito que o mundo deseja ouvir,
das lágrimas que deixei cair nos rios onde mergulhei amor,
dos antes e depois de uma dor qualquer
ou daquela que insiste em tirar-me da alma a cor.
Devo dizer de um mundo de aço,
da esperança distante já com destino enferrujado,
da inocência que se perdeu levando consigo toda decência,
esperam que eu diga da política suja que me põem à mesa
querendo que deguste o sabor amargo da hipocrisia,
tons redundantes dispensam a verdade que a consciência norteia.
Devo dizer do homem em um mundo de lata,
dos sonhos em branco e preto que seu corpo aguarda,
das falas falsas que suas bocas fechadas proferem,
chamando de paz a bandeira que levanta com as cores da guerra,
deitando seus filhos nos solos fecundos que permeiam essa terra.
Devo dizer dos discursos desacreditados,
do homem abandonado por suas próprias mãos,
das crianças que colorem com sangue os desenhos mal traçados
de uma vida desgastada que dita o respeito como arma de opressão.
Pois não direi mais o que os ecos dessa era me faz ouvir,
dito pó ao vil metal buscando o amor que tenho sonhado,
dito sonhos inacabados reconstruindo a vida sobre o aço enferrujado,
rasgo o peito na vermelha cor que o desejo me faz,
na melodia que ouço, entoando meu canto, peço por paz.
30/05/2006