Kell e a morte de uma linda flor
Kell e a morte de uma linda flor
Não é segredo para ninguém o meu hábito de ler...
Sempre li, sempre vou ler: ainda mais agora que conheci uma garota tão
intelectual (talvez a pessoa mais intelectual que eu conheci)...
Não é, também, segredo para ninguém que sou muito distraído, e foi
devido a essa minha famosa distração que cometi o meu maior engano da
minha vida:
“...Um dia, quando estava “lendo Nietzsche” num banco de um praça que
se encontrava atrás de um lindo jardim, distraí-me na leitura intensa
(desse poeta que todos acham que ele é filosofo); só aquele alvoroço
todo poderia mesmo me desconcentrar, olhei para todos os lados e
lugares, nada vi, nem ninguém avistei; de onde então estaria vindo
todas aquelas vozes? De onde poderia estar vindo aquele zunzunzum?
Perguntei-me se não estaria ficando maluco? Estaria eu sonhando?
Porém, quando apontei o meu olhar para o primeiro canteiro do jardim,
vi e ouvi as flores que estavam a tagarelar! Sim! As flores falam
mesmo, sim, as flores também têm sentimentos... Elas só ficam em
silêncio perto das pessoas (Sabia?)...
Quietinho estava, quietinho permaneci a observa-las: precisava
aprender rapidamente a língua delas... Ficava eu a imaginar qual seria
o assunto que tanto falavam? Por que todas dirigiam seus olhares e
perguntas a flor que estava no centro desse canteiro? Por que pareciam
que estavam a reverenciá-la? Que poder esta exercia sobre as outras ao
seu redor?
Sim! Sim, claro que sim!... É porque no “Reino das Flores” ser linda é
maior de todas as virtudes!!! E, realmente, como é linda essa flor que
está no centro do canteiro!! É tão linda e encantadora que não a
resistir e fiquei por horas dizendo isso a ela... E a “danadinha”nem
ligava para os meus elogios, desdenhou-me, ignorou-me completamente...
Até que eu invadi o seu reino e a roubei do canteiro, roubei-a do
convívio das suas amigas e dos seus admiradores flores-meninos...
Ah, eu nunca roubei nada, nunca seqüestrei ninguém, nunca faria isso
de caso pensado... Porém, a sua beleza me encantou, e da mesma maneira
que vitima fui dos seus encantos e da sua beleza também ela foi
vitima da minha vontade de tê-la para sempre comigo...
No caminho para a casa, depois que escutei muito choro e lamentos, a
flor começou a ficar amável e dócil, pois lhe disse muitas vezes, uma
após outra, que ela era a criatura mais linda desse mundo, disse-lhe
ainda que, nada poderia ser comparado aos seus encantos; elogiei-a
tanto que a “vaidosa” plantinha nem sequer se lembrava mais das suas
amigas, e realmente fiquei muito fascinado... E ela, cada vez mais
adorava ser idolatrada e reverenciada... Nem sentia falta de ninguém,
nunca mais falou nada em voltar para seu jardim, para o seu reino,
para seus os súditos...
A nossa convivência estava indo maravilhosamente bem até o dia que
coloquei a foto de uma garota na tela do meu PC (computador)...
Eu sempre contei para a minha linda flor sobre a admiração que nutria
pela intelectualidade da Kell... Sempre lhe contei que até me
assustava com tanto conhecimento dela...
Sou realmente tão distraído (tem gente que acha que sou incessível)
que nem havia notado ainda que a flor começou a ficar cada dia mais
tristinha, quase não dizia nada e quando se ouvia algo dela era sempre
muito desaforada e respondona...
Comecei a pensar que ela não gostava de me ver a escrever tanto ao
invés de ficar a contemplá-la, achava que era as flores eram muito
narcisistas, achava que ela não me queria olhando para as letras que
escrevia, pois queria toda a atenção possível para si...
Quando estava escrevendo um pedaço do meu livro e precisa ficar
sozinho levava a “lindinha” para tomar um pouquinho de ar puro e a
deixava por horas e horas lá fora... Nesse dia, por estar muito
concentrado no meu texto, nem notei o tamanho da sua tristeza...
Peguei-a e coloquei para tomar banho de sol... No final da tarde,
quando não agüentava mais de saudade, fui busca-la, pois estava,
realmente, com muitas saudades, pois eu gostava até do seu
mal-humor...
Porém, quando a vi nem acreditei!
Minha linda florzinha morreu, minha florzinha se matou...
Quando o canarinho amarelo, amigo dela, contou-me nem parecia ser
verdade! Parecia ser um engano, só poderia ter sido isso mesmo; mas
depois que o bichinho alado me relatou tudo o que aconteceu fui logo
conferir, pois o amarelinho disse: a florinha relatou-me tudo,
contou-me sobre a sua dor, contou-me as mentiras do seu dono, falou-me
que quando o seu raptor a pegou do seu jardim e separou-a da sua
felicidade, iludiu-a com mentiras dizendo a ela que a mesma era a
criatura mais linda desse mundo; e ela, muito triste, arrasada e aos
prantos, soluçava dizendo sobre o seu raptor mentiroso: -- ` ele
está lá agora admirando aquela garota, ele disse que ela é
intelectual, não me falou nada que ela é tão linda... Ele fez tudo
isso e ainda tem a cara de pau de dizer que está escrevendo livros!
Coloca-me aqui achando que assim eu não notaria a falsidade dele; não
sei por que ele me tirou do meu jardim onde as flores me amavam
sinceramente e com espontaneidade; não me achava a criatura mais linda
do mundo, fui convencida por aquele mentiroso! Eu era feliz com minhas
amigas no meu jardim; era a rainha daquele reino, as flores não
mentem, elas não precisam mentir. Quem não mente não tolera e nem
suporta mentiras , enganações e muito nem falsidades...´.
Quando o amarelinho me disse tudo isso correndo fui ver o engano.
Não era um engano!
A Kell realmente é a garota mais linda desse mundo! Mas nunca iria
notar isso: ela é tão inteligente, alegre e simpática: e é tão bom
conversar com ela que eu nem notei que é tão linda também...
Agora, além de amá-la tanto pela alma maravilhosa que possui, estou
muito apaixonado por ela!! Ela é realmente encantadora...
Sabe, a culpa de eu ter demorado tanto tempo para perceber como ela é
linda é toda dela mesma, pois quem mandou ser tão intelectual?
...Rachel, quando fiz referência sobre a florzinha e a beleza dela
eu não tinha notado a sua, senão jamais teria dito a um ser tão frágil
como ela uma coisa dessas... Talvez a culpa nem seja da minha
distração, talvez a tal responsabilidade não pertença a ninguém,acho
que o meu vacilo foi porque conheci a beleza que mora dentro de você
muita antes da que mora fora de ti fosse me permitido contemplar...”.
Para a Rachel Guilherme / 15 de agosto de 2002
Isaias Amorim