A DEUSA DOS GRANDES LAGOS

Aconchega-te no meu ombro. Deste-me o vinho

a beber, com o seu sabor a mel, doce como o mais

puro licor e eu fiz-te a vontade. Escorre-te em riachos

pelo teu corpo, como uma água em busca do lugar

em que se irá abraçar aos rios infinitos, ao mar imenso,

como fios de luz - talvez lágrimas de luar - nas escarpas

onde se enfeitiçam almas com o fumo do incenso. Fecho

os olhos, aspirando essa nuvem de neblina espiritual,

sonhando despertar os lagares em Dezembro ou Março,

só para dar continuidade ao ritual e escutar o canto da uva,

na sua lenta metamorfose para o estado de líquido, pronto

a fermentar. Debaixo dos pés de homens e mulheres,

com rosto intemporal, embutido na terra, nos nós da madeira,

há um cântico crescendo em coro, na voz do sangue dos bagos

esmagados. Pensando nisso, sinto que vou adormecendo,

aos poucos, entre as tuas mãos, com os lábios ainda húmidos

e sonhando com a tua pele, branca, como se fosses uma fada,

dotada de toda a sabedoria, a silenciosa deusa dos grandes lagos.

Olha, cedo. Faz como quiseres, meu amor. Não te pergunto mais nada.

José António Gonçalves

(inédito.15.11.04)

JAG
Enviado por JAG em 02/07/2006
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