DEIXEM POUSAR AS GAIVOTAS

É urgente deixar pousar as gaivotas.

Acabar com a sua loucura pela terra.

Calar-lhe os gritos, dando-lhe a vez

na aterragem, sem lhe ocultar nada.

Como amaciar-lhes, na noite, as asas?

Como ocupar-lhes, no voo, as horas?

É preciso que alguém venha dizer-lhes

como termina a superfície do mundo.

São as colinas da ilha a atracção plena

pelo desejo, pelo beijo que as espera.

Se houver silêncio alcançarão o topo

das árvores, onde começa a espuma do mar.

É ali que sobrevoam os telhados das casas

e termina a sua aflição. Cubramos o ruído

dos comboios que não existem, com as ondas

amainadas pelos sorrisos, no começo do dia.

É urgente deixar pousar as gaivotas, repito.

Como já havia escrito elas estão aí, brancas,

loucas por aterrissar. Perguntem-lhes como amam

tudo o que é dito nas notas de uma sinfonia.

Por mim o mundo pertence-lhes, a partir

das ravinas, na sombra do seu olhar, cansado

e sábio pelas coisas que já viram. Eu ouço jazz,

no bater do seu coração. Dêem-lhes a praia.

A voz de Pound procura-as nas escarpas.

Eu durmo. Página a página reinvento-as.

As mulheres aproximam-se, na cambraia

dos seus belos vestidos. No chão, a poesia.

José António Gonçalves

(inédito.17.09.04)

JAG
Enviado por JAG em 02/07/2006
Código do texto: T186376