DEIXEM POUSAR AS GAIVOTAS
É urgente deixar pousar as gaivotas.
Acabar com a sua loucura pela terra.
Calar-lhe os gritos, dando-lhe a vez
na aterragem, sem lhe ocultar nada.
Como amaciar-lhes, na noite, as asas?
Como ocupar-lhes, no voo, as horas?
É preciso que alguém venha dizer-lhes
como termina a superfície do mundo.
São as colinas da ilha a atracção plena
pelo desejo, pelo beijo que as espera.
Se houver silêncio alcançarão o topo
das árvores, onde começa a espuma do mar.
É ali que sobrevoam os telhados das casas
e termina a sua aflição. Cubramos o ruído
dos comboios que não existem, com as ondas
amainadas pelos sorrisos, no começo do dia.
É urgente deixar pousar as gaivotas, repito.
Como já havia escrito elas estão aí, brancas,
loucas por aterrissar. Perguntem-lhes como amam
tudo o que é dito nas notas de uma sinfonia.
Por mim o mundo pertence-lhes, a partir
das ravinas, na sombra do seu olhar, cansado
e sábio pelas coisas que já viram. Eu ouço jazz,
no bater do seu coração. Dêem-lhes a praia.
A voz de Pound procura-as nas escarpas.
Eu durmo. Página a página reinvento-as.
As mulheres aproximam-se, na cambraia
dos seus belos vestidos. No chão, a poesia.
José António Gonçalves
(inédito.17.09.04)