Desarrazoado
Quebraste, com tua aveludada astúcia, a minha resistência empedernida a querer, outra vez, no planeta dos Homens, conjugar o verbo amar.
Teus grandes e sonhadores olhos de cor indefinida, teus sedosos cabelos a emoldurar este funâmbulo sorriso a faiscar sorrateiro na jazida de tua boca,
Juntaram-se em concorde travessura, a derreter a pesada armadura de minha negação, a ofertar-me em contrita procissão – as inseparáveis: a Santa e a Louca.
A me fazer devanear pelos encantados bosques de Eros, a passear, trêfego, entre elfos e duendes, mergulhado nas profundezas abissais de teu indeciso sonhar.
Já não me é tão importante tentar desvendar o teu querer inconstante, teu sempre insistente, irrelevante questionar em busca de minúsculas quimeras.
Deixei a critério de Kayrós, deus mais sábio e consistente, cuidar de teus bloqueios resistentes, fazer com que sejas mais presente, que não se deixe vencer pelo onipresente amedrontar.
Que se permita viver a rara utopia de um amor pleno de magia, mesmo que este não dure mais do que um dia, mas que reúna em si tudo o que um ser humano pode almejar.
Amor não se eterniza; se vive no dia-a-dia, como a lapidar uma rara jóia, a dispensar-lhe zelo e cuidado, retirando o Inverno apagado, e colocando em seu lugar o alegre brilho da Primavera.
Não se deve pedir quartel aos reclamos do coração; impossível pensar um viver, ausente de sentimentos, despojado de enamoramento, deserto de emoção.
Ouso pensar, com a típica ousadia dos agnósticos construtores de poesia, que inversamente a aceita agostiniana proposição, foi o Amor o criador de Deus
E, em honra do Demiurgo Amor, ergo o meu brindar mais solene, na perene taça destes doces lábios escandidos, a misturar os teus fluidos com os meus.
Imaginar uma vida sem você, equivale a projetar um mundo sem ar, floresta sem pássaros, rios sem peixes, criança impedida de brincar, amantes desprovidos de paixão.
Li uma vez um poema de Pablo Neruda, em que ele diz: ”tire-me tudo, mas não me tires teu riso”. Achei de uma profundidade tal, que, desde então, esta frase habita os meus pensamentos. Sempre que a sombra da tristeza chega mais perto, ela, a frase, me retorna, pois creio ter captado o que o mestre chileno sentiu ao construir o poema “Teu riso”: que não há a menor possibilidade de se imaginar um mundo sem a mágica presença de um sorriso.
Vale do Paraíba, madrugada da primeira Sexta-Feira de Agosto de 2009
João Bosco (Aprendiz de poeta)