Um canto
 
Por que é que escrevo, quando estou sozinho,
Pensativo e imaginando coisas
Que talvez não existam
E que nunca irão surgir na minha vida?
 
Por que ligo este computador
E me plugo nas teclas deste programa Word
E deixo-me transbordar em palavras que ferem,
Agridem, machucam e, ao mesmo tempo, me acalmam?
 
Por que é que tem de ser assim
E não de um modo mais brando, mais delicado
Ou mais eu mesmo, do meu jeito: gritando palavrões
E mandando tudo para todos os lugares?
 
Porque assim, penso, não se resolve nada,
Porque assim, dou a resposta esperada,
Porque assim, acabo me revelando presa fácil,
Porque assim, não sou eu!
 
Então me deixe ler o livro há tanto tempo guardado
E ver as imagens daquele filme que venho postergando,
Ouvir os CDs que acumulam poeira na estante
E brincar de arrumar o quarto enchendo-o de poesia...
 
Então me deixe ligar para você agora
Deixe lhe contar que chove lá fora
E “aqui faz tanto frio”
E que a minha poesia não se foi ainda
Como pensávamos, como prevíamos
E não contávamos...
 
Deixe...
Deixe...
Deixe-me levar você para subir
as escadarias da Sacré-Coeur
Para andar de ferry-boat pelo mar da China
Vislumbrar o grande Buda de Lantau
E virar um monge
Um santo
Um pecador
Um herege!
Deixe...
 
Se eu soubesse seu número de cor:
Eu ligava!
Se eu tivesse a certeza de que você atenderia:
Eu procurava!
Se sua resposta fosse afirmativa:
Eu iria até você!
E se você concordasse:
Eu já nem sei...
 
Então deixe que o tempo decida
O que vai ficar é para sempre
E o que já passou, já se foi ao longe.
 
Eu estou aqui, acuado,
Num quarto de hotel esperando uma resposta
Um e-mail qualquer que posso abrir
Em qualquer lugar do planeta.
 
Eu vou até você onde estiver,
Não me importam as distâncias,
Nem os empecilhos
Eu tenho asas quando quero voar.
E não há teto que me prenda.
 
Quero as esfinges,
Quero os monumentos,
Quero experimentar sabores
Dos mais diversos paladares.
 
Mas antes de tudo
Quero descobrir onde você está
Que vai ser bem aí
Onde eu vou morar.
 
 
Poesia publicada no livro Muito Mais, de Márcio Martelli,
Editora In House (2007).