Idioma

Eu não tinha outro idioma,

de pétala ou de fogo,

para traduzir a poesia

no teu rastro sobre a areia.

Não havia dialeto disponível,

na aurora ou no ocaso,

para descrever o trigo no teu ventre

nem a força do teu beijo

que enclausura em arco-íris.

Eu contava apenas com a linguagem

codificada das gramáticas,

um arsenal de símbolos opacos,

artifício insuficiente

para descrever o sol ao meio-dia,

o mar à meia-noite,

e havia estrela demais em teu olhar

para timbrá-las com a tinta das palavras

no silêncio do papel

Forjei meus utensílios

com luar e maré-cheia,

aprendi com o sino da ermida

a sinfonia da aurora trêmula de bronze.

Decifrei todas as línguas do vendaval

na canção do cata-vento.

Estudei a partitura das ondas

e, solfejando de poema em poema,

inventei o meu idioma de abelha e girassol.

Talvez, meu verso te pareça

excessivamente marinho

e peque por ser repetitivo,

mas as ondas e as conchas são assim...

Talvez, haja ressaca demais no meu poema,

mar demais no meu poema

mas tu te apoderas de mim

em constante plenilúnio...

Tudo que canto vem do mar,

em constante desatino,

porque o mar te busca em mim.

Por isto, povôo a solidão noturna das areias

com as lembranças do verão...

e canto, com idioma marinho,

a saudade e a ausência

que te buscam nos meus versos.