Um pouco do nada
Dos teus pedaços fiz minhas poesias
De cada parte que eu conheci ou sei
E a inspiração em mim não se cabia
De tantos rios que te naveguei.
De muitas formas te imaginei!
E imaginada transformei-te em minha
E minha foste, escrava, irmã, rainha
E teu já fui: escravo, irmão ou rei
E foste o sol a alumiar estradas
E foste a chama a conservar-me quente
E foste a insônia pelas madrugadas
E foste a ferida exposta e dormente
As tuas rimas tomaram minhas mãos
E as minhas palavras formaram tua imagem
E passaste a ser mentira, a ser miragem
E me quedei mais uma vez sem chão
E por singelos, simples, esses versos
Que entendas o que nunca eu te falei
O que mantém meu peito submerso
No leito d’um rio que nunca atravessei
Eu, de todos, o mais pífio amante
Vivia o mal de corações ciganos
Saltando em sístole, de engano e engano
Como no mar um nômade navegante
E ao encontrar-te vi-me enfim perdido
No centro escuro d’algum labirinto
E a chama que no peito ainda sinto
Só é maior, por já tê-la sentido
Mas no meu pranto cego de mendigo
Eu não te peço nada, nem um grão
Pois viver de esmola e de ilusão
Seria, em muito, pior que um castigo
Que só em versos calmos, como esses,
Pode caber um velho sentimento
E posso até tocar-te em um momento
Da mesma forma que te toco às vezes
Intensamente, como foi por meses
Até deixares os meus pensamentos
Até me pasma não voltares cedo
Até me pasma não voltares mais!