O meu amor agora é como um rio

O meu amor agora é como um rio

O meu amor agora é como um rio

que nasce breve e fundo nas montanhas

saltita enquanto engrossa,

desnivela.

Nada vê

só a ideia de um cheiro a sal

o orienta,

caindo lá do alto

em torrentes tumultuosas

até aos rápidos e às cataratas.

Corre e discorre sem nexo sobre os vales

como se se esquecesse de ser rio

mas volta sempre e sempre ao mesmo lago,

lago que são mil lagos na verdade,

como se se esquecesse de ser rio,

ainda que já sonhando com o mar.

Depois volta a espraiar-se noutros vales

correndo ora uniforme como um rio

ora como uma onda ou uma ideia

que de ser rio

se esquecesse

ou não quisesse ser.

Até que confluindo para o mar

se encontra enfim

e se desfaz

em ti

em ti

em mim.

Geraldes de Carvalho

(de sessenta e tal poemas de amor e alguma frivolidade)