O XADREZ DO AMOR
As vezes ela diz que sou um cavalo,
desses mangalarga, imponente,
belo, bem escovado, mas,
um cavalo...
Chamo-a de Minha Rainha, me curvo,
faço quantas reverências necessárias,
busco seu chá, seus biscoitos,
seus sapatos macios, sua coroa,
beijo sua mão, suavemente...
Às vezes ela me chama
para os serviços mais réles,
lacaio, caio, me levanto, não antes o espanto
por ser tratado assim, de um modo chinfrim,
a servir comensais, bandejas de ouro
salpicadas por quitutes cotidianos,
vinho barato, poemas insanos,
minha doce Rainha, a gargalhar
com camareiras, cozinheiras,
a se embriagar, a dormir em panos,
olhos esgazeados, inumanos...
Às vezes me guarda na mais alta e fortificada torre,
me protege, me deseja puro e em camisa de longas mangas,
Um Quixote de La Mancha, trata-me como a um exilado,
eu, mais parecendo um contrário encarcerado,
a ler os livros mais antigos a dedo por ela escolhidos,
a passar o tempo em filosóficas divagações,
a buscar antigas sensações para que povoem minhas horas,
meus momentos de hoje a se misturarem com os de outrora,
escrevendo em branco papel as manchas de minha natureza,
lendo-as ao bispo da corte que me visita para orações,
como se houvesse cura ao mal de todos os corações...
Às vezes sou tratado com o mais fausto refinamento,
tendo minha própria carruagem, meus cavalos, meus lacaios,
meus guardas imperiais, a cuidarem da minha segurança
como um avô consciencioso que pela mão leva sua neta criança,
sou servido no jardim em ares de meio de primavera,
às vinhas vou experimentar o mais tenro e o mais velho vinho,
sou saudado pelo caminho, mandam-me beijos as donzelas,
mães e filhas acenam-me, felizes, de dentro de suas janelas,
e nesse augusto momento, nada mais penso e nada mais digo,
pois, elevado em áureo momento, ali sou quem sei:
Dela, de Minha Rainha, seu amado Rei.