é no silêncio

é no silêncio

do teu olhar gelado

que me dispo

peça a peça

camada sobre camada, sobreposta,

em gestos títeres

de boneca vidrada a porcelana fina.

é no silêncio dum palco mal iluminado

p’la lua madrugada ali ao lado no umbigo escuro do rio

que me deito, em cama áspera e nua,

nos lençóis do teu caminho…

indefesa, desarmada,

pagã em espera.

e tu chegas, como punhal icónico

rasgando a terra…

envolvo-me na ternura que me resta

recubro-me aos flumes vagos de desalento

afasto negrititudes ao pensamento,

… suspiro lágrimas exangue,

ébria p’lo pó de ilusórias estrelas cadentes,

e pinto de sonhos o cinzento das paredes expostas

às intempéries em cores aquosas de claras aguarelas,

… e, no silêncio,

me entrego em magrezas de palavras

e desejos escarlates d’abismos siderais.

em monocórdico gemido,

à mó empedernida dum moinho de vento

sem albas velas,

abro, uma a uma, pernas às palavras,

enquanto mutilo braços d’asas

à levitação plena da alma …

é no silêncio que tu te escusas

de ler um volume antigo,

papiro originário onde registo, um a um,

cada momento,

da meteorologia angustiosa e triste

dos meus mais íntimos sinais.

[…e no silêncio …concluo que não sei sequer

se quero ou sei voar mais...

um pouco mais,

ou se, diminuta ... desisto.]

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 04/07/2009
Código do texto: T1682456
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