Onde estás?
A Cabeça imergindo como um barco naufragando faz os meus olhos procurarem no mar negro do asfalto algum vestígio de ti. Nas pontas de batom roxo dos cigarros jogadas nas sarjetas, ou nos lábios vermelhos decalcados nos cacos das bordas de cristal das taças quebradas nas festas... Não encontraram um único sinal, nem ao menos um lencinho de papel com lábios pintados a óleo de pastel para, identificando as tua impressões labiais, poder remontar nem que fosse um beijo gorduroso, ou de fumo ou de champagne, para substituir o gosto vazio dos meus.... Ah! Mas os olhos não encontram nada, nenhuma sobra de ti. Nem no jardim onde me descobri na lesma e a ti na mosca-bem-te-vi. Procuraram no estuário, lá em baixo, que junta todos os rios deste meu “estado” - de geográfica e temporal saudade - poderia ser que encontrassem pelo menos um eco da tua telefônica voz me chamando de “Amor” em uma concha abandonada.... Poderia ser que nas matas ciliares encontrassem a minha velha pele que a fugidia Serpente tivesse deixado na troca por outra e, assim, eu pudesse encerrar as buscas e me lançar a navegar no mar do esquecimento...
O vento da expectativa soprou como tempestade e o coração trovoou quando um relâmpago de sol denunciou algo esbranquiçado com pontos encarnados. Não, não era um absorvente teu, usado, embriagado e tinto da sobra do teu vinho mensal, das safras que vencem e se renovam a cada mês. Se fosse eu poderia, por não conhecer ainda, me imaginar banhando no rio aonde aquela branca nau de perfumadas e macias fibras de pínus afundara. maciez certamente combinando com a da tua pele que imagino...Como aquele barco eu me encharco e ensangüento de saudade, sigo navegando e, penosamente, “subvivendo” a cada nova onda de dias à deriva de ti; renovando-me na esperança de que logo um toque anteceda e anuncie a tua voz que ecoará na minha surda-muda caverna, onde será guardada e servirá de lenha para ser oferecida em sacrifício ao fogo do meu coração, para aquecer a Alma no próximo inverno de solidão. Se, ao menos, encontrasse o pó dos teus pés no lixo da pedicura, ou as tuas cutículas, ou os restolhos de pêlos que sobram do físico amar, eu me contentaria e, de teus restos, ergueria a mais Augusta estátua mesmo que incompleta - como moderna Vênus - para contentar à minha faminta Alma, que te imaginaria aqui trocando comigo o Amor da carne, completado pelo das energias imperecíveis... Mas meus olhos nada encontraram do teu corpo, nem ao menos os restos do que sobrou do embelezamento revisado e retocado diante do espelho. Eu me banho e escovo os dentes, me enfeito e perfumo, simplesmente para sentar-me solitariamente diante do espelho digital, onde confiro a minha beleza interior e, com a minha fracassada vontade de ficar menos feio fisicamente, me salvo procurando e escrevendo as melhores e mais verdadeiras palavras de Amor que minha ignorante estética possa encontrar para, diante do reflexo da minha Alma na tela, certificar-me de que é o melhor de mim que vou dedicar à tua perene e permanente imagem que habita a minha mente nesta interminável espera de que venhas logo, para clarear e aquecer os invernos da caverna e do meu coração, apesar de ser outono, lá fora, no mundo das matérias despolarizadas e escravas da neutralidade.