O NAMORO DOS OLHOS
Seus olhos,
Eu os encontrei algures.
Eles me vieram até mim
E tocaram os meus;
E os meus,
Em grata retribuição,
Idem:
Foram também ao encontro
Dos seus.
Não! Na verdade,
Foi tudo o inverso.
Mas não importa.
O importante foi
Que ambos se encontraram,
Os pares de olhos -
Um, grande e vivo,
Aceso como uma lâmpada;
E outro, comum,
Com uma diferença de ânimo -
Uns olhos soturnos e sérios.
E foi assim.
Dois pares de olhos
Se encontraram
Algures.
Para ser mais exato,
Em algum lugar
De alguma biblioteca,
Perto de algumas mesas,
Entre alguns livros
Inúteis.
Dois pares de olhos
Se encontraram
Naquele lugar
Tão hóspito.
Sentados estávamos.
Cada um ali,
Escondido atrás
De algumas mesas.
Os meus olhos passaram
A observá-los,
De tráves,
À furtadelas.
Eu furtei um pedaço dele
Com os meus olhos.
A primeira coisa que meus olhos
Encontraram
Foi aquele caminhar
Meio efeminado,
E aquela silhueta
Juvenil...
Depois, viram meus olhos
Aquelas pernas peludas
Belas e delgadas,
Conversando entre si.
E, quando aquele corpo
Girou a 180° nos calcanhares,
Meus olhos trararam de se dispersar,
Ainda meio temerosos.
Se esconderam nos livros,
Procurando algum poema
De Bocage ou Quental
Com os quais pudessem
Se distrair.
Mas não aguentaram muito,
Não suportaram não olhar.
Correram em direção
Àquele rosto,
Com marcas de barba feita,
Correram por aquele nariz,
Subiram, subiram alguns centímetros,
Até se deparar com outros olhos.
DESCRIÇÃO DOS OLHOS:
Um par de olhos negros, grandes e fulgurantes,
Vivos e céticos.
Meus olhos param,
Em milésimos de segundos,
E olham, admirados,
Quase apaixonados,
Aqueles grandes olhos,
Que o flagram.
A vergonha e o medo
O constrangem a parar,
Mas ele não pode.
Tudo aquilo é demais para ele.
Então os olhos trocam ideias.
A CONVERSA DOS OLHOS:
- Vai.
- Vem.
...
- Vai.
- Vem.
Eles conversam por longo tempo (uma hora);
Às vezes parando, meio temerosos.
Não querem ser flagrados.
Olhos nos olhos...
De repente,
Algo mais desperta.
Umas bocas...
Algumas mãos,
Braços e pernas,
Mente,
Coração...
Membros do desejo...
Tudo desperta.
Um desejo louco de se levantar
E de se tocar,
De se sentir,
De se coloquiar...
Mas algo não vai,
A imaginação não flui.
E o desejo cobra.
As coisas tornam-se intensas...
Os olhos choram,
Gritam,
Imploram...
Até que, então,
Tudo se faz poesia,
Só poesia.
Um corpo se locomove,
Vai partir.
À porta, dá uma última olhada,
Um clamor,
Um desejo,
Uma última imprecação.
Então,
Tudo se faz poesia.