Saudade

Quando perdeu de sua visão
o olhar que lhe enchia de vida,
sentiu que parte de si partira
acompanhando aqueles
brilhos encantadores.
Quis não sentir a dor da perda,
mas a verdade é que ela surgiu violenta,
como se lhe roubassem uma parte essencial
da emoção e do afeto.
Na certeza de sua mortificação,
a convicção de que a vida
haveria de continuar.
Mera crença racional, 
já que os sentimentos se mostravam
em franca rebelião.
Sabendo não ter deixado espaço para retroceder,
condenou-se por sua inflexibilidade.
No ataque certeiro,
não percebendo a possibilidade de engano,
não tinha como recuar.
Restou-lhe a tentativa
de uma digna despedida,
mas ao fazê-lo, renunciou a parte de si.
Concluiu ser a realidade amante infiel
dos grandes sonhos de amor
dos primeiros dias.
Viu contradição, pois algo
que lhe fazia tão leve,
agora lhe trazia tamanho 
peso e prostração.
Órfão daquele magnético olhar,
parecia perder energia,
logo avaliando sua imensa anemia vital.
Lastimava-se com toda a essência
de inutilidade daquela atitude,
mas era como um vício inevitável.
As lembranças se tornavam agressivas,
saindo da memória para, vestidas de saudade,
invadir o coração.
Dor aguda, dor de ferimento de arma branca,
criando uma hemorragia, uma ferida incurável.
Criando uma dor física
que bloqueava a razão,
acalentando uma semente
do feio arbusto da insanidade.
Subestimou a perda
e na sua condição de grande perdedor
ganhou o troféu do profundo vazio.
Escravo do abandono
que tanto contribui para criar,
vendo-se obrigado a  reconhecer
a sua estupidez.
Momento de perceber
que na sua ausência é que ela estava
mais presente do que nunca esteve.
Doloroso instante o de avaliar
que existia uma imagem tão viva,
mas que se fazia intocável.
Não havia muito o que fazer,
senão vestir-se com a máscara de denso silêncio,
um meio de isolamento.
Uma posição cheia de passividade,
assombrado por um ser
cuja lembrança lhe dera virtualidade.
Perdendo-se em confuso labirinto
onde corriam de um lado para o outro
os fragmentados sentimentos.
Essencial encarar a realidade, 
o tão acalentado nascimento
se desenvolvia num impulsivo final.
Era preciso encontrar algum consolo.
Tentava buscar as estrelas
com quem dividira os seus sonhos.
Não conseguia respostas,
elas estavam caladas,  perderam o brilho
das noites em que recebiam o encanto feminil.
Ficaram despojadas da sua magia,
estavam cheias de objetividade astronômica,
faltava-lhes a subjetiva poesia.
As horas passavam cansadas,
uma grande lentidão perturbava
a tentativa de reter aquilo que já tinha sido.
Poderia se iludir com a construção
de um bela fantasia de sua imaginação,
mas não lhe  restava ânimo.
Estava ameaçado pela máxima masculina:
“homem não chora”.
Mas como conter a rebelião das lágrimas?
Era preciso fugir, os bares
esperavam com seus líquidos amargos,
os amigos aguardavam
para as tolas consolações.
O certo, entretanto, é que em meio a tantos,
 mesmo que de hora para outra,
ganhava grande talento teatral.
Mas não conseguia deixar de ser vítima
de poderosa  sensação de solidão.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 12/05/2009
Código do texto: T1590385
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.