A PÉTALA DESBOTADA
A PÉTALA DESBOTADA
J.B. Xavier
...E quando eu pensava, enfim, já ter te esquecido,
Eis que uma pétala desbotada encontrei no livro que relia!
Era uma marcação, pensei. O que seria?
O que estava a me dizer essa página que não li,
E essa pétala em forma de coração?
Então, retirei a pétala, que sob si escondia
O início de um risco vacilante.
Um rabisco nervoso lá estava, feito às pressas, num lápis apagado,
Do qual eu nem lembrava a autoria,
E uma seta que descia ao pé da página, serpenteando em euforia
Levou meu pensamento para a linha que há muito tempo já leu:
E lá, contornada com o grafite, estava escrito: “te entrega o seu”.
Dali a linha seguia, ainda nervosa, como se às pressas fosse traçada,
E seguia, ainda esguia, para cima, até próximo à margem,
Onde se lia, contornada, a expressão “doce amada”.
Depois a linha descia, num zigue-zague inconstante,
Cruzando a página inteira, passou por sobre si mesma,
E finalmente pararia no desenho pequeno de uma lua,
E contornava, tremendo, a palavra “tua”.
E foi somente agora, na releitura do livro, após tudo quase extinto,
Que surgiu tua mensagem, completa, em minha mão.
Ela sempre esteve ali, na pétala desbotada,
Coloquei-a em seu lugar: “Tua doce amada te entrega o seu coração”.
* * *