À deriva
Há ainda a vida
E nenhum sinal de interrupção no horizonte.
Nenhuma embarcação armada, nenhum pirata, nenhuma barreira.
Ainda há a vida e o mar – grandes, porém finitos.
Há ainda o tempo de navegarmos juntos, lado a lado,
De qualquer modo.
E esse tempo ainda não vislumbra o seu final.
E o som das ondas batendo ainda é para mim como a sua voz.
E não quero que deixe de ser.
Há uma subjetividade sensível e uma sensibilidade subjetiva
Entre nós há nada e tudo.
Há uma linha breve e indistinguível.
Que pode significar qualquer coisa.
Ainda não somos ruínas de uma cidade engolida pelo mar.
Ainda não somos o último vestígio da existência de um mundo.
Ainda somos, um para o outro, duas imagens refletidas.
Duas sombras esquecidas no turvo oceano.
Mas estamos juntos.
Somos dois náufragos ao sabor do vento e do sal.
Tendemos a girar.
Infinitamente. Indefinidamente.
Ainda somos incógnitas. Mudanças de maré incoerentes.
Conseqüências do olhar da lua.
E assim seremos, por um tempo indeterminável.
E o sal não há de arrancar meu nome da sua boca.
Nem o seu da minha.
Ainda guarda, para meus sentidos, todos os mistérios do oceano
Ainda guarda, para meus braços, muito tempo.
Ainda guarda, para os meus olhos, muito gosto.
E acho que nós somos algo de errado, ou de tão certo que nem sabemos o que é.
Amanhã saberemos.
Ou depois.
Ou nunca.
Há ainda o tempo.
E não há quem o pare.
E não há como voltar.
E não há como correr.
Então sigamos.
Sigamos à deriva... sem rumo... sem norte
Nosso alvo? O mais sincero e merecido fim.
O invisível por trás do horizonte
Onde ninguém foi. Ou para onde todos acabam indo.
E ainda haverá a vida depois disso.
Independente desse nosso último ponto.
Sigamos, à deriva,
Ao indecifrável.