Sem cais
Edson Gonçalves Ferreira
Sim,
Toda saudade é um cais de pedra
E nem cais há em minha cidade
E onde eles existem, já não partem navios à vela
Aqui, também não existem mais trens-de-ferro
Que, à noite, apitavam nas curvas
Parece que tudo foi corrompido como a Natureza
Nem estação há mais, só rodoviárias e aeroportos
As idas e vindas já não são tão solenes quanto foram outrora
Quantas lágrimas foram necessárias para secar os olhos da humanidade
Tudo, agora, parece banal
Como se viver não fosse aventura
O mundo enlouqueceu ou fui eu
Porque ainda choro quando um amigo parte
Porque ainda rio e gargalho só porque estou vivo
E muita gente me olha de banda como se fosse quixotesco
Faço meus versos como quem chega e beija o ser amado
Faço meus versos como quem se prepara para partir
Pouca gente reflete sobre a possibilidade da viagem sem volta
Eu não, todas as noites, lembro-me da minha majestade e da
minha miséria humana
Coloco um terço no pescoço e peço perdão
Ciente de que, se eu for chamado, pegarei a condução certa
Quero ir num barco à vela
E, aqui, no cais da vida, deixar muita gente chorando
Como era no passado
Quando as caravelas partiam sem destino
Em busca de um mundo novo
Como nós, poetas, todas horas fazemos
Navegando no mar do lirismo
Lapidando a palavra como diamante
Para dourar a nossa passagem
Finita, mas preciosa enquanto durar
Ah, toda saudade é um cais de pedra
E neste cais, eu fico a chorar.
Divinópolis, 25.04.09