MINHAS FACES MAIS GUEPARDAS

Vem, amor, me dê a sua mão,

vamos passear pelos confins da nossa história sem pressa, sem atalhos,

vamos buscar o que temos de melhor, e de pior, em cada beco que tivermos pela frente,

vamos catar o que produzimos de mais saboroso nas dobras da pele do nosso sonho.

Vem, amor, vamos...

Chegou a hora de desfrutarmos os novos vizinhos, tirarmos as vendas que tanto insistimos em pregar no nosso peito, chega de insistir tanto na mesma tecla, chega dessa barata-tonta que chamamos de vida a dois.

Amor, se apresse, vem...

A âncora do nosso barco está nos pedindo água, vamos hastear a nossa bandeira nesse ninho, o refogado que preparamos só com o nosso suor já está no ponto certo e está uma delícia.

Amor, pombas, vem logo.

Deixa de querer sempre colocar mais pétalas, de querer sempre tirar o pó que ainda nem pousou, de querer sempre repelir o vento que está para ser soprado, deixa disso tudo, vai.

Amor, as nossas mãos já nasceram siamesas, o prato que colocamos na mesa será a presa única do nosso desejo, a tatuagem que cravamos nas nossas almas tem um fio invisível que a transforma numa coisa só, que nem sei bem o que é.

Amor, chegou a hora de gargantar as molas do peito, de serrar os ossos, desentrevar os músculos, rascunhar nos tecidos e revirar cada célula de que é feita a gente.

E sobretudo, finalmente, entendermos a razão de estarmos com as nossas solas dos pés marcadas por esse chão, por essa dor, por esse fantoche que funciona sempre sozinho.

E, então, iremos descobrir, num simples ranger de cama, numa fronha que apertamos quando o gozo veio à nossa superfície,

todas as faces mais guepardas dos nossos sonhos que ainda não se desnudaram de vez.