AMORES DE ARRAIAL
O louro ilustrava os mastros
das bandeiras nos arraiais - dizia
o vulto caminhando por sobre
as ruínas da igreja.
Ali prendia-se uma ponta
com gravetos e dava-se-lhe a volta
onde os namorados mordiscavam
as orelhas - aduzia a sombra
deixada para trás pelo vulto
exposta na cinza ainda quente.
Com o louro dava-se sabor
à carne e juntava-se-lhe o sal
e uns bocados de alho fresco
para a espetada sangrada -
murmurava outro combatente
ainda com um Cristo fumegante
nas mãos feridas pelo lume.
A culpa é do louro e da fome,
sem o louro não haveria espetada
a juntar os antigos amores
- sentenciava a volátil figura
entre luzes de adro
e de céu aberto ao desflorar
da geada invernosa
- e para quê? Só por ciúme?
Toda a gente sabe que paixões
de arraial são como as chuvadas
no meio do deserto do Sara:
dão sempre em nada.
- Olhem bem para o carvão
em que a igreja se tornou
desde o tecto ao chão,
do sacrário aos santos, à sacristia:
é como qualquer casa ardida.
- Ainda há vinho? Já é madrugada.
Se nada se pode fazer pela igreja
cada um que vá à sua vida.
Credo em cruz
louvado seja.
José António Gonçalves