Erosão
Olha o vento!
Passa
Invisível, intocável, passa.
Imparável, invencível, passa
E à vista fraca nada muda em nada
Olho o vento e talvez nos entenda
Não
Olho a aurora a iluminar o dia
Olho o vão na alma, tão profundo
Olho os corpos que vem, vão e passam
Olho os olhos (giram, fecham e choram)
E passam
Passar é natural –
Inevitável
Contudo, os ventos a tremular bandeiras
Só ferem e só rasgam se ficarem
Só ficam se deixamos e queremos
E deixamos ficar –
Mesmo sabendo que passam
Prometem-se mundos,
Juram-se regras,
E não são cumpridas
Nem eu lhe esquecerei de pronto
Nem demorará a me esquecer
Talvez nunca tenha me lembrado
Ou me gostado
Ou me querido
Mas não é a passagem
Nem o não-ter-lhe
Nem o ciúme
Há um crime sério
Só
Contido
Se não diz ao menos a verdade
Se então finge ser o que não
É,
Ou está,
É sombra morta que toma minha alma
É uma marca sobre meu peito
Que marca o meu tic-tac cardíaco
A me apertar
A me espremer
E me fazer parar
De tudo
De todo.
O que me dói não é passar
E nem me afligem os outros
É ser o que nem eu
Nem você
Somos (éramos):
Vento e tempo
Erosivo e corrosivo
Passageiros e mortos e letais
E só
Mais nada
Apenas vento.