MEU CRIME (Retrô)
E aqui vou eu, caminhando pelos frios corredores do infortúnio.
Devo seguir em silêncio, pois carrego as marcas indeléveis de meu crime.
Cinzas em monturo, galho ressequido e saudoso de sua raiz;
Sou o cume do alicerce, que desfeito nesse adeus sangra a cicatriz...
Transgressor benévolo, sou a névoa desfeita sob o ímpeto da maldosa bondade rendida...
Aquele que ferido em ti, convalesce de paixão sob as chagas dessa cura;
Tu que de ti em mim te escondes, nada sabes de tua cumplicidade obscura;
Mas puseste o dedo em riste e tiveste meu peito triste por terra bandida.
Sou farol de luzes sombrias, aquele que furta teu bem mais precioso, para te presentear;
A água que morre em leito poluído, que sonha às densas entranhas dessas rochas, um belo dia retornar;
Quero a chuva criminosa de paixão cujo banho me inundou;
Quero a seca causticante do teu ódio, que teu amor em estiagem me negou.
Criminoso eu sou.
Vou viver refém da maldosa bondade desse teu perdão.
Porque nenhuma pena é justa e proporcional ao delito inalcançável de te amar.
Troncos e açoites, gritos e pancadas, tiros e horrores – em silêncio: eis meu condenar.
Algemado o coração, violentado de paixão - pelos frios corredores do infortúnio a caminhar!
Tu que dilaceras as carnes que comeste, agora tratas as fendas feridas pelo vinho que rejeitaste;
Tu que deste ao cínico destino as cordas levianas para me alçar do fosso que me empurraste;
Atentas agora ao meu brado em desespero: esse mesmo que só aos surdos é permitido ouvir;
E tens alguma compaixão de mim, e me inocentas desse crime que me não deixa fugir!
Põe teu dedo sem dó nessa chaga que sangra a lágrima de teu amor a cada dia;
Dá teu beijo falso nessa boca que se alimentou do açúcar inaudito de teus carinhos sinceros;
Porque sofreste comigo naquele instante festivo em que a condenação me sorrira;
Mas tiraste meu teto e meu chão e esmigalhas meu coração quando o teu de mim se esquiva!
Poucos dias me restam: eis que está a porta a pena máxima de meu delito!
Que me ajude a ventania indolente e leve aos quatro cantos meu pedido derradeiro;
Que nos meigos olhos de minha amada ache repouso infinito meu coração forasteiro;
E que meu grito falso de não te amar seja a prova infinita de meu amor verdadeiro!
E aqui chego eu. É o fim dos corredores do infortúnio!
Não me importa o que fica pra trás – o futuro diz que te terei em cada empecilho que o impossível apresentar;
Tu me julgas e eu não te condeno, posto que mereço teu desengano;
Aceito o veredicto insano que me impõe o destino por esse imperdoável crime que é te amar!