Embriaguez
Embriagado em meu próprio seio
Despeço o ígneo arrepio denso
Dispo a pele bordada em fios tensos
Enquanto a mim mesmo sustento e esteio
- Findo é o corte cicatrizando o ventre
Embriagado em meu próprio seio
Desvirtuei-me de um bafo quente
Desiludi-me de tal barro ardente
E interrompi-me em meu próprio meio
- o ápice do meu centro em mim mesmo
Desembreaguei-me de apenas meu seio
E olhei-te e ao olhar-te só desfiz-me
Como ao escorrer o leite denso e firme
A desbotar do meu corpo os arreios
- A desbotar dos meus quadros coroas
E ao mirar-te em qualquer encanto
Meus olhos cegam e meu peito se esboroa
E os nós dos dedos se desabotoam
Que ao notar-te já desfaço em prantos
- tamanha és tu, pedra do meu ser
Atormentado por minha própria corte
Abandonei o cerne de mim mesmo
E deixei-me viver a toa e a esmo
Para ter em tua vida a minha sorte
- Para ter em teu tormento o meu sossego
Pois és tranqüila em tradução celeste
És lâmpada que se acende e se perpetua
És o pudor de uma deusa nua
És feita da ternura com que vieste
- e tendo-te, terei em ti o paraíso
Pois és da fala o mais certo som
Que irradia em luz o que te ouço
E que se forma em pus no meu pescoço
Por encantar-me em cada nota e tom
- És signo de dúvida, mas de mestria
Pois és da existência o essencial
Que alumia em tons pastéis a aurora
E que se permanece em minhas horas
E jaze como sombra em meu umbral
- como uma sombra branca e radiante
Pois eis que te recordo a cada instante
E que sua pele toca em meu corpo
Como uma seta que almeja o escopo
E deixa a mão segura em um instante
- Eis eu, o alvo, eis tu, a flecha
E mesmo que me morra – agora e aqui
Embaraçado – pois teu nome alteio
Sei eu que morrerei sereno e cheio
Pois morrerei embriagado em ti
- pois morrerei eterno em teu seio