Lira Orféica
Não basta o chão e o sal
E um eclipse formado redondo sobre nossos ossos
Como um anel em espírito sacro,
E os músculos estirando-se em um ritual
Lógico e geométrico
Tolamente calculado
Não basta o chão e o sal.
E o beijo não basta mais. Não basta o lábio
Não diz nada abaixo não diz.
Se são palavras na garganta que não fazem mal
Se são palavras não beijos
Nem lábios
Não basta a vontade e a voz
E a onda que suga nossos corpos, pele
Nossa mente verde e verdade
Os não maduros frutos em nós
Não vale o que não basta
Não basta o chão e o sal
Não basta escrever e ler
Não basta ler. E as pedras que furam
Nossos passos, nossos pés, minhas costas
Não basta ser ou não ser
Se ser é um tombo ribanceira abaixo
Se é um calor, um frio, um feixe, um facho
Não basta saber ou sentir
E o meu lábio não obedece um padrão
Se arqueia e alonga brando
Esticado em um banho de saliva
Ímpar como exato
Como praxe, como farto
Não basta mais vida
Não se basta em si
Não basto eu em mim
E o seu interior me esfola, me entrega em um jogo
Ao contrário, ao avesso, minha pele se lambe, se queima
O meu corpo se vê, se enrosca e se degola
Não basta o chão e o sal
Não existe o que baste, nem o que vai bastar
Só existimos dois. Só existimos nós.
E arcos, são setas, são arcos, trincados, rachados,
Borrados, arcos,
Toca-me leve, sensível, toca-me
Toca-me e faz em mim vida, como se fez luz
Como se faz de tanto, tanto
E de nada, nada
Como não se faz. Como se faz do vento o vento.
Só toca-me. E me fará pleno, enquanto sou pleno
E penso-me nada, de tão pleno.
Só toca-me e me fará todo.