BALA PERDIDA

As minhas botas encharcam o eco

da chuva que escorre pelo gueto,

as janelas fechadas escondem o medo,

quem é pai sabe: esta é a guerra

em que o filho se vai, o destino é cedo.

Como pude chegar assim tão longe?

Olho atrás e vejo só as estátuas

dos meus semelhantes desfazendo em chamas,

a fome e a droga são a única verdade

de um garoto sem casa que a propaganda esqueceu.

As minhas botas arrastaram viola e mulher,

hoje estradeio soltário - calado de amor,

a mulher pertence a outro, o amor só tem sentido

se é real, deixei perdidos a carne e o desejo,

cuido de desenhar os sonhos dos meninos sob a marquise.

Aonde o sofrimento leva a mãe ao pé da cruz

eu abro o que restou da minha sorte

no manto que os ventos esfarrapam,

quem é mãe sabe que o candenado

é só um menino que precisa de calor.

As minhas botas caminham na lâmina do eco

eu sei que a mulher se foi sem adeus,

só me resta afastar das balas perdidas

o menino que vaga ouvindo a fome e a droga

chamando quem ainda não morreu