Declaração
Olha os olhos! Olha as mão exatas,
Olha as mãos atadas em suas mãos
Que suaves brincam por entre seus dedos
E de leve tocam meu coração
Olha a futilidade dessas rimas pobres,
Que de desnecessárias fazem-se essenciais
Pois quando falta a palavra falada
Pois quando falta a idéia pensada
Falta-me o nexo, falta-me paz
Mas, meu amor (pois agora assim lhe chamo)
Se o que quero é dizer que lhe amo
É que não sei outra palavra que não sei
Pois, minha querida, se o dia não basta
Para ter-te nem que só metade em sonho
Pois que meus olhos viram só olheiras
E que me mexo toda a noite, inteira!
E de meu leito não levanto mais
Olha os olhos! Olha as madrugadas
Olha essa falta de só não saber
Olha as palavras vãs desencontradas
Olha esses verbos nas horas erradas
Melhor que a folha e sua eterna alvura!
Pois que se me diz que não é pr’eu dormir
Eis que eu danço as noites de uma vez
Embaraçado no meu falso tango
Repousando no meu leito longo
Sem repouso em sua altivez
Mas, meu amor! (agora assim eu clamo)
Aonde chegamos, deus, aonde chegamos?
Se as duas mãos p’ra mim tornaram-se uma
Pois, minha querida, não escrevo em vão
Mesmo se p’ra você não há sentido,
Minha querida, eu não escrevo em vão
Que esse poema, meu amor, de fato
Não faz sentido p’ra nenhum mortal
Pois que há o medo de dizer errado
Pois há o medo de contar-se mal
Mas não é vazio, mesmo que lhe pareça
Pois as palavras não vêm da cabeça
Se o coração é que controla as mãos
Que meu amor (agora assim lhe penso)
Se o amor não é intenso e intenso
É que assim eu não o sei ou senti
Pois meu amor (agora assim lhe entendo)
Se há o amor em tudo que compreendo
Então amor é o que vem por ti.
Mas meu amor! (pois assim lhe sei)
O poema devia ter terminado aqui
Mas se um poema não diz ao que veio
É que há o medo (não esqueça o medo)
E o vazio (que advém do medo)
E o segredo (que preenche o vazio)
Pois meu amor (enfim, eu lhe confio)
O não-amar é só um descaminho
Se o segredo não se conta a tempo
E se há medo do consentimento
Ah, meu amor, eu morrerei sozinho!