Na Praia

Uma criança brincando

na Praia, de repente treme

sem ao menos se dar conta

— Longe... o espocar das ondas

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

Ela se diverte

rolando nas águas

de um baita buraco

— A sua caverna.

Constrói o tempo todo

— Abrigos mundos

deuses sonhos

etéreas... paixões

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

Por toda a cor do Mar

vem logo a perceber:

— Ele ao Céu emenda-se

no azul do horizonte

Estranha, porém

que ali pertinho da areia

tão verde parece o mar

— por que será?

Logo surge outra criança

— igual a primeira —

que talvez então possa

dar alguma explicação

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

Igual é o que ela pensa

pois crê a princípio

estar deveras vendo

a imagem de si mesma

Mas na sequência dos jogos

logo toca uma verdade:

— A outra é uma outra

além disso é uma menina

— Mas como é que pode

ser uma outra, diferente

se é tão igual a mim?

— ele intui desconfiado

Mas isso não importa

o que vale é o doce mar

que habita nesses olhos

que rebrilham ao se encontrar...

— Tu és a mansa Maresia

que se entranha à minha pele

os meus olhos embaraça

e remexe com meu sangue...

— És a Praia infinita

onde corre o meu espírito

onde dançam as minhas obras

e cantam os meus desejos...

— Tu és o Vento pleno

que refresca a minha alma

insufla a minha vida

e me traz a boa-nova...

— És o calmo... e vasto Mar

que me envolve e aninha

me beija lava embala

me refresca... desanuvia

— Tu és sublime Norte

que persigo cego e surdo

— sem medo e sem juízo —

pois sei que vou chegar

— És o límpido Velame

que se enfuna nos meus mastros

me empuxa no contravento

e empurra no vento em popa...

— És o fúlgido Farol

a me guiar na noite escura

a mirar-me se amanhece

a me atrair quando me perco...

— És a Ilha verdejante

onde, náufrago, me embrenho

— Em ti me aqueço e salvo

meu coração apazigúo

— És a mais brilhante Concha

que me atrai... e me pesca

— A produzir pérolas pérolas,

tu me completas... e instiga

— És a Lua faiscante

a iluminar o meu destino

— Eu, que — sozinho no mundo —

acabei me aventurando...

— Tu és o Céu, és um Sonho!

És o Verde... e o Azul

és do Ser a própria face

o signo do absurdo...

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

A menina corre agora

sem medo pela praia

— Parece tudo conhecer

as areias... o vento... as águas...

Ele logo se encanta

com a coragem da garota

— Como pode ser tão livre

impetuosa, impulsiva?

Pois ela é diferente

e por isso pode amar

por outras praias, horizontes

armações caminhos ondas...

E continuam a brincar

cada um à seu modo

— vão criando novos jogos

verberando novos ecos...

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

Talhado para a caça

é sabido em concentrar-se

— mais pensamento, idéias, sonhos

para atingir os seus objetivos

Ela só ação o tempo todo

formada para bem cuidar

— Tem o tino administrativo

de milênios na caverna...

Um e outro tão diferentes

talvez juntos formem liga

— Com a ajuda da Fortuna

e o empenho dos anjos...

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

— Venha logo menino

não ouve a mãe chamando!

Era tudo que não podia

acontecer no seu destino...

A garota também se afasta

conduzida por seu pai

— Já não falei que não deves

conversar com estranhos...

E bate o Mar:

— Espirra espuma! É Mater no ar

rebentos na areia...

Todos foram já embora

a Praia agora está vazia!

Ninguém mais presente pr'ouvir

— Longe... o espocar das ondas

E bate o Mar:

— Espirra espuma...