Pecados
Do que me vale a liberdade santa
Se ainda há olhos para me olhar de banda
Quando o que eu faço ou digo não convém?
Melhor seria ter de carcereira,
A solidão cruel, mas passageira
Seria minha, ao menos, de mais ninguém
Pois se eu somente tranço os seus olhares
Com meus olhares, mesmo que discreto
É tragédia qual o descarrilar de um trem
Pois se palavra qualquer dia digo,
Que não ouse chegar ao seu ouvido
Pois meu castigo será, em muito, além
Da imaginação do mais cruel autor
Que desnodoa os dedos com o horror
De cenas de suplícios colossais
Do que me vale a liberdade esquiva
Se entre nós há ainda a cerca viva
Que nos separa qual dois animais?
Melhor seria se como os de Verona
Restássemos sobre a mesma terra santa
Da onde iríamos nos levantar jamais!
E qual metades frias de Carraras
Em nosso findo leito, cara a cara
Repousaríamos em nossa gruta em paz
Do que me vale a liberdade burra
Se a vaidade é uma besta escura
Que crava os dentes na carne de meu ser?
Devora-me por inteiro, minha esfinge
Decifra-me parte a parte, mente e finge
E eu finjo que não penso em você
E essa liberdade gaga e rouca
Aflige o meu peito de repente
Como uma chama quente a tremer
Do que me vale estar em sua boca
Se nem seu nome cabe em minha mente
De tão grande pecado que é te ter