Dúvida
Se um dia eu deixo de abrir meus olhos
É que seu rosto não me fez dormir
E sua pele não velou meu sono
E seu sorriso não me acalentou
Se um dia cedo eu acordo tonto
É que esqueci o seu eterno olor
Seu cheiro que não alcança o muito doce
E lembra as aves em seus tantos vôos
Se um dia acordo sem uma palavra
É que acordei sem nem saber quem sou
E sua ausência carrega a culpa
Da amnésia assassina e bruta
Seus olhos não resumem-se a palavras
Seus olhos são mais que pequenas grutas
Onde emoções demonstram pensamentos
Onde reflito sem lei ou rumo
O chão balança, tonto, as minhas pernas,
O som alcança meus ouvidos surdos,
E o seu sorriso só me orienta
Quando navego os mares do mundo
Se a pergunta é se te esqueço às vezes
Nem um segundo, meu amor, respondo,
Mas de repente, com o passar dos meses
Nos olvidemos um do outro e mais
Porque o tempo é forte, um navio
E frágeis somos, alma, mente e corpo
E o tempo vai destruir os muitos rios
Que formam todos nossos dias juntos
Restará apenas descansar calado
Em um lugar escondido do peito
O sentimento, só, e renegado
De quem já amou, ou pareceu amar
Mas há a esperança viva em cada toque
E a inconsciência nula em cada beijo
Em cada débil abraço de despedida
Há o desejo de abraçar para sempre
Mas há a vontade em cada truque
Em cada frase que eu te digo sempre
Há um carinho escondido
Melhor seria se fosse gritado
E o desejo do para sempre e sempre
Perde-se, zonzo, contra o meu peito
Feito um inseto quando encontra a luz
E a rodeia sem poder tocá-la
E é irônico como a simples luz
Pode ser a morte para o inseto estúpido
Mas mesmo assim em um inexplicável ímpeto
O ser noturno se entrega a dúvida
E é a dúvida, meu amor, que gera
O mais vívido olhar de uma criança
E é a dúvida febril que impera
E serve a nós a última esperança