O MITO (COMPLETO)
Sequer conheço fulana,
Vejo fulana tão curto
Fulana jamais me vê,
Mas como amo fulana.
Amo fulana tão forte,
Amo fulana tão dor,
Que todo me despedaço
E choro, menino, choro
E fulana vai se rindo...
E fulana diz mistérios,
Fulana me bombardeia,
No entanto sequer me vê.
Esse insuportável riso
de fulana de mil dentes,
(Anúncio de dentifrício)
É faca me escavando!
Me ponho a correr na praia,
Venha o mar, venha cações!
Que o farol me denuncie,
Que a fortaleza me ataque!
Sei que jamais me perdoará
Matar-me para servi-la.
Fulana quer homens fortes
Couraçados, invasores.
Porque preciso do corpo?
Para mendigar fulana.
Rogar-lhe que pise em mim,
Que me maltrate...assim não.
Mas não quero nada disso.
Para que chatear fulana?
Pancada na sua nuca
Na minha que vai doer.
E daí não sou criança
Fulana estuda meu rosto
Coitado: de raça branca
Tadinho: tinha gravata
Desinfetados, gravados
Em máquina multilite.
Fulana, como é sadia!
Os enfermos somos nós.
Sou eu, o poeta precário
Que fêz de fulana um mito
E lhe dou todas as faces
De meu sonho que especula!
*Modificação do texto de Carlos Drummond de Andrade - O MITO