Inominável
Não é tão monocromático o desvio
Não é um fio, ou dois fios, nem são nervos
São redes, são muitas as maneiras de entender
Não é multicolorido ou prateado
É só fado. É calado, mas grita.
É a lisa espádua, é uma espada
Como cada uma que me perfura o corpo
É uma fada, um tormento entorpecente
Indecente, é ardente
É pele úmida, carne quente
É um somente sem só
É a semente sem sol
É nada. É tudo.
É um bolo que entope a garganta
É doce, mas tolo
É inútil e inebriante
É o que antes eu chamava de não saber
E sabia.
É um dia. São dois dias, talvez.
É o tempo todo, confesso.
Eu que peço, eu que rezo, eu que prego.
Eu me apego.
É o cúmulo do cúmulo
É a morte, quase, e o túmulo
É o cúmulo do cúmulo do cúmulo.
É o ponto. Só.
É o traço – nulo
O traço que subtrai
Ou que acrescenta
É um traço do cúmulo do cúmulo
É a um passo do túmulo
É póstumo, é podre.
Deteriora-se e deteriora-me.
É imperativo e indomável
É inominável. Inentitulável
Inenarrável. Incomensurável.
É instável. É in e é ável
É como ver o mar de fora.
É como não ter hora.
É como ser de fora em terra de estrangeiros.
É tão dúbio e tão dividido.
É nojento e degradante
Por um instante, apenas
É perfeito e delicioso
Por um instante, apenas
É leve e pesado.
É tudo sobre as costas e nada sob os pés.
É voar caindo. Ou cair voando.
É tão pouco que não vale.
É nada.
É tanto que não conta.
É tudo.
Não tem jeito, não tem pranto, não tem canto
Não tem lugar nenhum pra se esconder
Não tem voz, não tem pulso, não vive.
Tem o toque no corpo
Tem o corpo nos braços
Tem os braços nas costas
Tem as costas nuas
Tem as duas mãos
Tem ter e querer ter
Tem o fingir que se tem.
Tem o que quiser.
É querer ser mais perto estando perto
E querer ser distante quando está longe
É cruzar a ponte e continuar caminhando
É cruzar o caminho e respirar aliviado.
É o suspiro no corpo.
É o ar no corpo.
É o beijo que não beija
E a boca que não fala.
É um toque estranho e suave, um toque inesquecível
É um acaso, é um leve arrepio, é um inócuo contato
Que me abre os olhos, me lava a alma
Que me renova o ser
E me arrebata a garganta, seca e gaga
De não saber o que dizer
O que contar
O que falar
O que fazer
Quando eu esqueço o carro e as paredes
Esqueço de ser e estar
Quando minhas pupilas refletem nas suas
E me revelam olhando
Simplesmente olhando
Você