Cotidiano
A gente aqui dentro
e lá fora quanta gente...
Colamos nossas mãos espalmadas
barrigas, peitos, bocas e almas,
Enquanto outras gentes não colam
não sentem, não fazem nada.
Dizemos palavras no ouvido
ouvimos música, respiração acelerada...
E mais uma bala acerta o corpo
indigente, indignamente estirado ali.
Nossos corpos estirados sobre a cama
entrelaçados, a gente se amando
E outra gente curiosa espiando
De todos os lados o que aconteceu na mesma hora.
A meia luz, no quarto, só nosso
rodamos pela cama redonda
À medida que roda as verdades
do ocorrido nas bocas dos curiosos...
Em nossas bocas uvas passas
adocicando nossa história
E na lente do fotógrado jornalista
mais uma imagem de página-glória...
Nossos corpos aquecidos pelo lençol
macio; saciados nos aquecemos
Ao mesmo tempo que cobrem o corpo anônimo
morto a tão poucos instantes lá fora.
Depois da hora findada, tracamos a porta
partimos sorridentes, vamos embora
Embora o indigente, indigesto, num gesto bruto
parti sem despedida, sem bater porta...
De um lado vermelho de paixão
Do outro lado vermelho sangue no chão
Histórias que não se cruzam, vidas opostas.