Saudades do menino e do Menino
de Edson Gonçalves Ferreira
para Sebastião Benfica Milagre, Maria Fernandes Quadros,
Judith Amaral, José Maria Campos, Carlos Drummond de
Andrade, Osvaldo França Júnior, Henriqueta Lisboa,
Jorge Amado e Zélia Gattai, Roberto Drummon (in
memoriam) e escritores e leitores do Recanto
Acordei cedo, querendo lavar a cabeça
Antes de pisasse no chão, o Menino já estava aos pés da cama
Esquentava-Se no cobre-leito da minha cama gostosa
Os cabelos encaracolados brilhavam sob os raios tênues de sol
De cara, perguntou-me se eu tinha saudade de quando era criança
Meus olhos encheram-se de lágrimas
Interrogou-me o porquê das lágrimas repentinas
Respondi que já perdera tantos e tantas!...
Falei-Lhe de minha mãe, do meu pai, dos tios, tias, amigos...
Enquanto eu falava, os olhos Dele marejavam
E eu senti que Ele me abraçava como fazem os meninos pequeninos
Sentado no meu colo, perguntou-me se eu imaginava
Se eu imaginava quantas saudades Ele tinha
Para começar -- disse-me Ele -- sou uma criança diferente
Tenho mais de dois mil anos
Todo ano tenho que virar bebê
Renascer numa gruta
Curtir a imagem da minha jovem mãe Maria
Da ternura de meu pai José
E isso, poetinha pardal, mexe muito comigo
Tenho o meu lado humano
Nasci de um homem e uma mulher e sinto como vocês sentem
O meu lado divino é um esplendor, mas o humano consagra mais
Aí, quem chorava mais era eu
Contei-Lhe que Ano Novo para mim era todo o amanhecer
Afinal, a vida se renova diariamente
Acho legal essas datas comerciais só para confraternização
Ele, então, entusiasmado, disse-me que eu estava certo
Quando Ele era criança e mesmo depois de adulto, pensava assim
Todo dia era dia de celebração da vida
Não podemos ficar preso às datas, poetinha
E, dando-me um beijo no rosto, o Menino foi embora
Deixando um perfume de rosas no ar.
Divinópolis, 31.12.08