Passageiro
Subiu o ferro, ambulante lata
De pernas curtas, rotas e rotativas
Mirava as sentadas recatadas moças
E observava as muitas crianças
que dançavam danças estúpidas e loucas
por um vagão afogado de gente
que transbordava rostos e pontas de pés
fora as janelas todas meio-abertas
por onde entrava um cálido vento
que abençoava as cucas e esquecia abaixo.
Traçou a rota toda na cabeça
De cor volveu a cada ponto ido
E coçou o empolado braço
Irritado de certos ferrões e bicos
Que suas terras desconheciam
Ah! Suas terras, velhas e renovadas
Onde a noite caia cedo
Então as luzes todas se acendiam
Tecendo um painel de pontos dourados
Pacato e calmo.
Rangeu os dentes e rangeram os trilhos
Olhou o pródigo relógio antigo
E viu o céu como quem via
Um presságio de luar no paraíso
Aproximava-se uma gorda nuvem
E se chegava sempre bem mais perto
E de mui preta descarregou as gotas
E chuva é benção pra quem bebe vento
O frio líquido penetrou as janelas
E não era o vento, não esquecia abaixo.
As crianças de trajes nobres
Brincavam agora no chão empapado
Como quem brinca em uma densa sopa
E suas mães bem despreocupadas
Como nunca havia visto antes.
O Estrangeiro no lugar tão quente.
O Passageiro, como a nuvem fria.
O Forasteiro, o homem diferente.
Que na estrada em frente seguiria
Mas só em casa podia dormir.
E todos os moços e moças e donzelas
Eram cobaias do seu Estrangeiro
Que observava como um menino
Seus gestos, costumes, seus bailes,
Suas comidas, seu cheiro incomum
O Passageiro que seguia rumos
Que não levavam a lugar nenhum
E de repente via-se sozinho
Em um país onde não conhecia alguém
E onde era nada, nunca ou ninguém
O Estrangeiro molhou seu sapato
Olhou o gato da senhora a porta
Até os gatos eram diferentes
Suas pupilas eram horizontais
E as senhoras eram diferentes
Suas melenas eram negras
E não alvas ou gris
O Passageiro logo se sentou
Como cansado de sua longa experiência
E olhou sorrindo para o que passara
E sem chegar ao seu esperado fim.
Sem consultar o que, o quanto ou quem
Mandou parar o negro maquinista
Com um corte de uma orelha a outra
E saltou do trem e correu para as vielas
Tão sinuosas de uma terra branca
Que não se via em lugar nenhum.
“Que insolente sou, eu, Estrangeiro”
Gritou para as janelas já cerradas
Das casas brancas como as areias
“Que impertinente sou, eu Forasteiro
Que não se envolve com anfitriões
Que diferente sou, eu, Estrangeiro
Qual o gigante no reino de anões
Qual o curinga entre os 4 naipes”
Rasgou o terno branco e tanto caro
Quebrou o relógio e jogou fora os alfinetes
Pisoteou o chapéu tão raro
E se pôs a andar, seminu
Sem pudor ou nada na cabeça
Sujou-se nas brancas e finas areias
E os seus grãos perfuraram as veias
Que sangravam pouco do seu sangue azul
E em pouco tempo recebeu das moças
Bem mais pobres moças que as do vagão
Muito belas roupas e tão simples roupas
Que nunca se sentira tão confortável
E cantou seu canto na tão pobre praça
Mas recebeu pedaços pobres de pão
De tão nobres homens de tão pouca renda
Recebeu moedas que valiam pouco
E uma cadeira pra trocar o chão
E depois de dias e de alegrias
Que nunca antes havia tido
Viu todo o sentido de ser Forasteiro
Não era o dinheiro
Era ver-se em meio da imensidão
De quem não tem nada
Mas dá nada assim
Como quem tem tudo
“Que inteligente, sou, eu Forasteiro
Que amado povo me amou por todo
Quão longamente sou eu Estrangeiro
Se já por tanto permaneço aqui?”
Podia ver e crer todo o sentido
De ser Forasteiro de diferente sítio
Ser Estrangeiro novo na cidade.
Mas ao ficar não era Estrangeiro.
Já era homem criado lá
Já era homem feito cá.
“Mas sou Estrangeiro de outras paragens
E Forasteiro de outras paradas
Encontro o sentido de ser tão de outro canto
Mas já não vejo se sou Passageiro.”
Então a dama que o acolheu em casa
Dissertou séria sobre sua passagem
“És Estrangeiro em minha hospedagem
E Forasteiro em toda a cidade
Do mesmo modo que teu corpo há de ser
Meu Passageiro se segues viagem”
E como Pítia quando Apolo sussurrava, continuou
“És Estrangeiros, sim, por essas áreas
E Forasteiro, sim, em nossas praças
Serás de fora, sim, sempre serás
E por qualquer lugar aonde passes
Mas Passageiro, sim, pode mudar
Pode ficar, não como a nuvem negra
Que açoita o céu em noites de Verão
Podes Passar em corpo, Passageiro
Mas deixes a alma, ou o coração”