Afável divã

É o deleite suave de uma leve brisa

Que inunda pelos verdes vales os vastos campos

E retorce as rasteiras gramas que dançam

Feito lindas damas em noites de gala

É o suave sentir de uma chuva santa

Que recobre a pele e confunde a saliva

O suor e as lágrimas em telas quase vivas

Mas ainda estáticas e grandiosas

É a pedra que encima e engrinalda

O frio monte coberto de neve

E sem querer cobre a luz

Mas prolonga o dia

São as longas melenas da donzela

Que caem e se dobram e rodopiam e se encurvam

Como arisco ritual de belas ninfas

Angelicais e perigosas

É a negra falena que assusta a noite

E pousa noctâmbula e fúnebre

No corpo vivo que padece

Sem mais dizer

É o rouco surto do insano

O louco alarido do moço sem cor

Que se cobre de pano

E se despe de vida

É o canto canhestro, mas lindo

De anônima ave que não se vê

Antônimo dos gestos e do léxico

De um rude homem qualquer

É um ponto inatingível no espaço

De inenarrável necessidade e cunho

É o vazio do toque, o cerrar do punho

Que se afasta quando se aproxima

É a doce serenata à Lua

Que o Sol, claro de inveja

Faz cessar ao subir aos céus

E encerrar mais uma noite plena

Sou mais nada sem calor seu

Se sou coisa, sou muito pouco

Não sou causa, sou conseqüência,

Não sou livre, não quero sê-lo

Não sou escravo, não sou dono

Não sou meu, mas não tenho quem

Não sou coroa, nem sou trono

Não sou perfume, não sou espinho

Não sou a ponta ou o cabo da faca

Não sou quem mata, não sou quem morre

Não sou o sangue que na veia corre

Ou o sangue derramado no chão

Sou criatura com desnorteado afã

Sou criador com condão mui relho

Não sou você, não sou quem era antes

Sou nosso reflexo, morto, no espelho

Joao L Terrezo
Enviado por Joao L Terrezo em 19/12/2008
Código do texto: T1344403