Dúvida
São vis, mas carinhosos os teus afagos
Perdidos entre o peso de um seixo
E o afeto tenro de um ungüento
Perdido entre o Tamisa e o Tejo
Entre o mar aberto e os dóceis rios
Entre a pausa eterna e o momento
Entre o vilarejo e o cais do porto
De onde partem cheios os navios
São pétreas as serpentes dos teus lábios
E fazem confundir o vivo e o morto
É firme e onírico o seu corpo
Que, lírico, irriga os meus versos
E drena a minha branda alma aos poucos
E me traz os devaneios de um louco
Cujo os pensamentos são encobertos
Por brumas, véus e por sussurros roucos
É quente e dolente o seu rosto
Onde os meus beijos ardem em estar perto
E firmes e esguias tuas costas
Onde minhas mãos derretem-se e refazem-se
Não se sabe real ou vã miragem
Não sabe se é barreira ou é passagem
Não sabe se é a noite na estalagem
Ou se a manhã pra se seguir viagem
Não sei se é a lágrima ao vento
Se é demônio, santa ou pensamento
Se é o leito fundo ou é a margem
Se é o passado, ou é o pressentimento
Seu toque traz o suor e o arrepio
Que não se sabe se é infernal ou santo
Que não se sabe se é silêncio ou canto
Se é carícia fina ou é açoite
Se é amargo pranto ou é sorriso
Como o homem que se fecha e teme tanto
Que dorme protegido e são a noite
E acorda de manhã, mas sem juízo