PASSADO, PASSADO A LIMPO
 
 
Mais um verão
edificará o quadro que me fascina.
Mas, neste, em especial,
 vocês verão a minha sina.
 
Apodrecerá mais um pouco do vinho francês
derramado no chão da sala,
e os orvalhos de prata nobre
enobrecerão nossa união
e vitrificarão os animais marinhos:
_a nossa velha paixão.
 
Os anos já se passaram
e foram lavados pelas águas
do rio do vento...
Restaram as sombras do nosso porto seguro.
Mas, nem percebemos
a distância entre nós mesmos,
nossas fantasias invisíveis,
e a despedida que cada um
dedicou aos restos do pouco que ficou
do outro.
 
Mais um verão
e vocês verão
mais um inferno...
Minha sina,
feito ave-de-rapina,
será voar pelas cachoeiras,
escalar os muros do teu perdão
e te habitar...
não como simples inquilino,
mas como sujeito de tua pulsação,
como maestro nas ondas de choque das cordas de um violino,
fazendo serenatas dentro do teu coração.
 
Vou ficando atento
ao passar dos anos...
Atento às estrelas e nebulosas,
escrevendo poemas em nossas memórias
clareando as noites...
solidificando os mares...
santificando demônios...
sonhando abstratos sonhos
nos quais te encontro ao alvorecer
nos quais te nino ao anoitecer.
Envelhecemos
e esticamos a vida...
feito a borracha do estilingue,
feito o vôo do bumerangue,
não haverá mais ringue
nem guerra ou navalhas ao léu.
 
vencemos já todas as velhas batalhas
e já temos a chave do brilho do céu...
 
Hoje, o sol reflete o azul celeste,
razão da vida que acontece
agora!
 
Espero que no próximo verão
  ainda estejamos tecendo o velho novelo de lã...
tecendo fio por fio
no clarear de cada manhã.
Uma manhã sem rosto,
misteriosa e branca,
esclarecendo o gosto do nosso passado
 degustando o belo cheiro do hortelã
e nós,
apreciando o horizonte infinito.
 
 
08/12/2001