MONÓLOGO DIANTE DO ESPELHO...
Hoje me vi no espelho...
Mas me vi há trinta anos,
Quando os longos cabelos bem tratados
Eram acariciados por tua mão
Enquanto me dizias: “Minha flor...”
Lembrei-me dos versos que te fiz...
Das cartas, nos envelopes azuis,
Que eu buscava ansiosamente
Todos os dias, no correio,
Pois esperar o carteiro
Era perder tempo demais...
O velhinho sorridente
Atendia-me atencioso
E dizia: “Queres mais?
Não te chegam as de ontem?...”
E me entregava as cartas,
Nos envelopes azuis
Que eram tesouro pra mim...
Eu vivia contigo ao pensamento...
Eu vivia esperando tua chegada,
E, quando vinhas,
Minha vida era sol e era lua
E minha vida, na tua,
Queria eu sempre ter...
Isto é tudo, meu amor!
E eu te dizia:
- O que faz com que eu sorria,
É o ouro dourado em teu cabelo
Que rebrilha à luz do sol;
Tu fazes as manhãs azuladas
Sempre lindas, orvalhadas,
Trazes perfumes de dias
Onde sou sempre “tua flor...”
Eu dizia e tu sorrias...
(- Hoje, grandes nostalgias
Invadem o meu sentir
Que relembra o teu partir...)
Naquele tempo,
A noite era prateada
E a lua era perolada
E eu sonhava com um porvir!
(- Hoje é grande a madrugada
E a noite mais imensa.
Uma ventania gelada
Sopra ao redor de mim...
E eu sofro a dor plangente
De um sonho que teve fim...)
Eu não queria ter ouro na mão!...
Mas queria teu cabelo cor de mel
Emoldurando teu rosto
E teus olhos ternos, doces,
E teu sorriso tão meu,
Para sempre comigo!...
Eu queria... Como eu queria!...
Eu queria a canção...
Eu não queria diamantes, fatigantes,
Só queria o coração!...
E quando me perguntavas:
- Por que estás sempre sorrindo?...
- Como não iria sorrir
Com tal tesouro na mão?!...
Ficava na ponta dos pés
E mal alcançava teu ombro
Enquanto tu me envolvias
Como um grande protetor
Protege uma frágil flor...
- E não me venhas mais a perguntar
Por que eu sorrio sempre, meu amor!...
(- Hoje, que tristeza se me visses!...)
Quero que guardes lembrança
Das fotos que tu tiraste
Numa época, em candura,
Ainda quase menina,
Que amavas com ternura
Sabendo ver a mulher
Sensual, mas ainda pura,
Que se escondia num Anjo!
(A “tua” flor...)
A flor perdeu seu perfume
Nas dores que a vida trouxe...
A flor perdeu a beleza.
Vês? Estão brancos meus cabelos
Já não os deixo crescer...
Já não toco meu piano
Dos dias, ao entardecer...
Fui imensamente feliz
Contigo!... Meu Anjo louro!
Já não quero ver-te, é certo.
Já não te amo, por certo,
Mas o quanto eu fui feliz!
Tu, nesta terra de Deus,
És o único a quem peço meu perdão
Pois eu não soube te compreender!...
Uma lágrima cai dos olhos meus...
Estão trêmulas, agora, minhas mãos...
- Perdoa-me, antes que eu vá... Morrer!...
E o espelho caiu no chão
e se partiu em mil caquinhos...
Que jamais eu vou juntar!...