Procura...
Procuro-me. Não sei mais quem sou...
Ando a esmo. Para onde, não importa.
Queria a libertação... Deste amor que é martírio,
É suplício, é escravidão!...
Torturam-me saudades rarefeitas
Que se desvanecem no ar e no tempo...
Não lembro mais teu rosto,
Cada detalhe daquele rosto amado
Que me punha a suspirar de alegria e de prazer...
Eu bebia teus suspiros
E os calava com um grande beijo
Do tamanho do Infinito...
Onde anda o som da tua voz?
Eu até nem mesmo lembro,
Por mais que procure lembrar...
Daquele timbre tão doce
Que me sabia encantar,
Abraçar, beijar, adormecer sorrindo...
Me fazer sonhar...
Eu já nem me deito à noite;
Vejo a cama, dói-me a fronte:
É um imenso mar de solidão
Vestido de lençóis muito alvos e bordados
Que te esperaram... Em vão!
Ficaste de voltar e não vieste...
Por que não me avisaste, então?...
Fico a vagar pela casa
Que hoje me parece um tão velho casarão
Onde fantasmas arrastam suas correntes
por onde quer que vão...
Com o passar dos dias as lembranças
Vão ficando mais confusas;
E já não sei se fui ou foste
Ou “fomos”... Algum dia... Alguma noite...
Vês? Meus olhos estão chorando!...
Porque faz já tanto tempo
E eu não consigo lembrar o rosto,
O rosto de quem foi meu algoz,
Me julgou e condenou
Sem eu, ao menos, saber,
Sem direito de Defesa...
Espero neste cárcere da vida.
Já não sei quem sou...
Exististe um dia?...
Ou foi uma invenção tão fugidia
De meu cérebro, a me dar uma alegria?...
Já nem sei se estou viva...
Não é a Morte aquela sombra que me espreita?
Ouço barulho de correntes se arrastando...
Sou eu que as arrasto ou vem de outros fantasmas?...
Estou entre o umbral da morte e vida?...
... Meu coração parou no momento que te foste,
Pois o levaste contigo...
E ficou uma grande pedra que pulsa...
E dói... Pesada... Machuca...
E eu nem ao menos consigo
De ti guardar rancor...
- Ai! Que forte dor no peito!
- Eu não quero mais um coração de pedra!...
... A mulher de preto se aproxima.
Mas não traz uma foice. Ela traz flores...
Sinto-me aninhada em uma cama pequenina
Tal qual berço.
Tento me virar e não consigo.
A mulher de preto é bela.
E sorri.
Tento sorrir, mas não consigo.
Cai-lhe o manto preto, fica róseo
Com uma réstia de luz...
- Chega de sofrer meninazinha!
- Vem!...
Minhas mãos se erguem para as dela:
São frias. Mas são suaves também...
Sinto-me leve, flutuando...
Em algum canto daquela sala na penumbra
Onde muitas pessoas choram e falam bem baixinho,
Há um homem encolhido na cadeira...
Duas lágrimas rolam... Em silêncio...
Vejo uma Cruz...
Pendurada?... Onde mesmo?...
Me parece uma cruz celta...
Passo por ti e beijo o teu rosto suavemente...
Estremeces! Sentes um calafrio...
Esboças um leve sorriso... Mas tu choras?!...
Eu leio teu pensamento... E digo à Morte:
- Não posso ficar aqui cuidando dele?
Ela responde docemente:
- Vais ser preparada, vais descansar.
E, depois, se tu quiseres,
Serás o Anjo deste homem, a zelar
Pelos seus passos. De onde vieres
Terás muita Luz para lhe dar!
Conformada, eu fui. Eu sei
Que voltarei como teu Anjo, a acompanhar...
E na hora derradeira me verás:
E eu estarei contigo sempre
A te acompanhar...