Criação
Primeiro, esvaziá-lo tudo, fazendo desaparecer
cada cousa, cada ser, retirá-lo do visível.
Logo, um ponto negro desvelando-se, no ilimitado:
um deserto. Sem fronteiras.
E no infindo, um primeiro movimento que cria o
espaço, e quando pára, pelo rasto deixado, o tempo.
Ouve-se algo então. Um ruído, de uma voz, e
aparece o ser primeiro. Perdido. Era um grito, que
descobre o ar, que traz o vento.
E no eco, replicando, vem o outro. O diálogo
primigénio. E o ancestral medo, o inicial uivo.
Quando o animal outro, ainda gemendo, chiando,
ganindo, se achegue, definirá o humano.
E nos olhos, a água, e nos seus reflexos, as
vibrações, e nos seus tremores, as sensações, e na sua
confusão, o sentimento, e nos seus sentires, a
recordação.
E o memorar no terreno, o lugar habitável, e no
centro, o lume que acalente, no lar, e um primeiro muro
que o resguarde, e afaste.
A primeira morada, e com o primeiro telhado, a
aldeia. E entre casa e casa, o cheio, e, novamente, o
vazio.
Porque na primeira gota de tinta já estava,
inconcebível, o primeiro latejo, e naquela antiga batida,
tum-tum, todo um mundo:
Nas ondas, o mar.
No sal, as lágrimas.
Na sua queda, um rosto,
como nos meus lábios, teus lábios.