ATRÁS DA PORTA

Venho com as sandálias gastas.

Meio atabalhoado,

Meio apoquentado,

Meio trôpego,

Meio encabulado,

Meio sistemático,

Meio ensimesmado...

Venho pela metade e pelas bordas,

Faltando-me coisas sérias;

Não trago flores,

Nem luvas de pelica,

Nem o estandarte de Santo Antônio,

Nem correntes de ouro,

Nem a pena colorida do tiê-sangue,

Nem seixos do rio Jordão...

Venho trazendo, com parcimônia,

Em minhas mãos fatigadas

De versos de amor escrever,

Os meus últimos e inermes versos.

Escrevi-os com minhas certezas trêmulas,

Com letras esquecidas e quase ilegíveis,

Em um papel escuro de rascunho

(Antigo manto do pão que juntos repartimos).

Mas escrevi-os para te dizer o quanto te amo,

E te amo mesmo.

Amo-te com a minha insurgência mergulhada

Em uma despedida infindável

E com o meu temor encharcado

De um adeus petrificado

Nos ângulos retos de uma dor aguda.

Saiba, o meu amor se agoniza a cada palavra ríspida,

E ressurge a cada sorriso tênue,

E morre a cada gesto rude,

E ressuscita a cada beijo desleixado,

E me esgota os olhos a cada lágrima inútil.

Escrevo-os últimos por não mais poder

Continuar a escrevê-los, por falta de dor.

Escrevo-os últimos

Pelo amor imenso que se perdeu de ti.

Que sejam minha oferta mais delicada

Nessa cerimônia pagã de adeus.

Não quero estes meus versos

- Sempre pedaços preciosos do meu fim -

Retalhos de teu pensamento

Que escapa de mim e se aloja na distância,

Onde não posso tocá-lo com meu perfume.

Receba-os, não como armadilha que te preparo,

Mas como troféu com o qual poderás enfeitar

Tua sala de estar

E afastar de ti o pó que deixei cair de minha presença.

São versos pequenos e curtos

E pálidos e tímidos

E precários e insensatos...

Que mal te farão cócegas nos sentimentos,

Por isso não dê mais importância a eles

Do que eles merecem.

Não dê mais importância a eles

Do que darias a mim.

Receba-os sim, como paga irrisória,

Não pelo amor que me devotaste,

Mas pelo amor que pude sonhar.

São moedas singelas esses meus versos,

Moedas antigas de um bronze de péssima qualidade,

Incapazes de saldar qualquer carícia;

Mas lapidei esses versos

Com tanto ardor

E com tanto primor

E com tanto amor

E com tanto sabor

Que por certo

Algum peso haverão de ter.

E se peso algum tiverem,

Receba-os pela leveza com que saíram

De minhas fornalhas internas.

Assim sentir-me-ei quites contigo,

Retribuindo o indescritível torpor

Que pude sentir enquanto te amei

E enquanto sonhei que poderia ser amado

Por ti.

Embora soubesse que tudo não passava

De um adorável engano.

Fui feliz te amando,

E te amando não me importei

De ser amado.

Mas quero que saibas por mim

(Antes que alguém desavisado te faça ver

Antes de mim

E te faça minguar de saudades):

- Jamais verás, com quem quer que seja,

Elis Regina chorando

E cantando “Atrás da Porta”.

Jundiaí, em 3 de novembro de 2.008