ARAUTO DO AMOR
A esmo todo encanto se perde,
quando do coração adorado
verte-se fel.
E dos lábios desejados
se houve a descrença,
a inegável ausência da fé.
Vem fogo devorador!
E a charrua alada lavra a terra,
de toda a herança do desdém.
Em voracidade de palavras,
algures lançadas ao vento,
em chuva que nutre e semeia.
Alma incrédula, desperta!
O tosco sorriso que meneias,
denuncia tua postura enganadora.
Teu toque escarnando a pele,
faz brotar o fluido escarlate
em dor lenta e visceral.
E de minhas pupilas dilata a razão cruel.
Defines e definhas o sentimento uno,
feito leite escasso e azedo,
que ofereces com receios.
Não faças assim...
Este prodígio é da serpente,
chaga humana das vaidades,
ávida pelas lamúrias sôfregas
dos corpos banalizados.
Segue! Se permita!
Receba do coração febril
a raiz do verdadeiro mel.
Juncado por eras...
Preste a fenecer para dar vida
as magnólias silvestres.
A esta tua crença, renegues!
Não há couraça no amor.
A ave cristalina nasce
no sorvedouro dos laços,
em cântaros balizados pela ternura.
No naufrágios dos sentidos torpes,
em favor da avidez cândida
da variedade na unidade,
e da unidade na variedade.
A pomba é ave translúcida,
e faz seu ninho no coração das eras.
É o amor muito além
de dois corpos em ânsias.
É muito mais que chagas abertas
e lacrimosas,
ou foices em rebentos desatinados.
O amor é um mergulho em si mesmo,
transbordando para outrem.
Um divisor que soma as partes,
calêndula tranqüila dos dias,
mãos calejadas que ajudam,
olhos que se procuram,
e sorrisos que encantam a vida.
Creias, e aceite o presente divino!
Paris, 2008