SEREIA

Vendo que a sereia dormia enquanto a tarde jazia

O mar murmurou uma canção de amor.

Sonhava ela com o beijo do céu que a brisa trazia

E doce quimera fez sorrir a bela naquele fulgor.

Cílios de formosa curva adornam o rosto dela

Cobrem seus cândidos olhos de mel

E se o vento em furor trouxer a procela.

Descerá num raio um anjo do céu

Deitada num sono mimoso - a flor.

Inclina-se ao sopro lascivo da brisa do sul

Assente prazerosa sua carícia de amor

Doce visão sob o infinito firmamento azul

O dia desmaia e a tarde encandeia

Nos lábios um breve sorriso

-Que sonho sonha a sereia?

-Será que sonha comigo?

O trino das aves no céu tão anil

É um juramento feito com fervor

De velar o sono da bela gentil

Da chuva, da sombra, do frio e da dor.

Quando deita seu cansaço no mar sereno

O sol cobre-se com o manto da noite

E indolente, meu descuidado anjo moreno.

Angelical suspiro bafeja como um açoite.

Cativo de tua beleza, quase ouso lhe beijar!

Mas porque despertaria misterioso querubim?

Se meu amor dormiu ao entardecer de frente ao mar

Eu tão perto dela e ela tão longe de mim

Pudesse eu colher-te agora, quem dera.

Roubar-te um beijo, simples desejo meu todo querer.

Beber teu cheiro, ser teu pensamento, a tua quimera.

E ver a vida passar sem nunca acabar esse entardecer

Veio a onda, tinha buquês de espuma nos lábios.

Beijou-lhe o pé e recuou respeitosa

Porém vi labaredas nos seus olhos

Era o ciúme a queimar a ditosa

Despertou o meu amor ao nascer da noite, no exato momento.

Acendeu as estrelas o brilho do teu olhar

Tua voz parou o tempo, fez mudar o vento.

E o mar soberano de tudo, ficou mudo, calou o murmurar.

Fosse hoje o meu derradeiro

Seria então, o dia de sorte...

Porque não o ultimo, mas da vida o primeiro.

Feliz, a mão daria a morte.