Diário de bordo de um coração partido
Escrevo sobre o corpo nu, pintado com sangue, trechos de memorias de meu amor-cão.
Esquartejei minha estimada coleção de sonhos apodrecidos pelo tempo, esse senhor impiedoso cheio de truques baixos e sujos.
Traço os contornos e as perspectivas de um Apocalipse iminente, quase um mantra
de um sedentarismo metafisico.
Amor, prefiro não comete-lo, a esconder verdades inconfessáveis sobre o medo e a culpa, mera descrição das experiências vividas e a ansiedade em vivencia-las.
A sensação é de algo mal-resolvido. Coisas inteiramente obscuras vem a tona de forma velada, não com revolta, mas com total aceitação.
Vivendo no poço sem fundo do esquecimento vejo miragens de pessoas vazias de olhos esbugalhados, atormentadas por demónios praticamente invenciveis. Oportunidade rara e especial de olhar, ainda que de relance, para dentro da alma.
Visto o amor como uma peça ambígua, que enfeita e machuca ao mesmo tempo. Sua cortina de laminas me impede de ultrapassar a redoma criada em um misto de proteção e afastamento. Uma espécie de cegueira involuntária.
Cores diferentes alcanço, no efeito entre a realidade e a ilusão, a verdade e a turbulência, questionando a fisicalidade das coisas do mundo e reorganizando-me segundo minha poética banalidade sentimental.
Acredito que haja uma verdade mais ampla e profunda quase que exclusivamente do lado escuro do homem e da vida.
Não escrevo o que vejo, mas o que sinto.
Não toco a vida com a ponta dos dedos. Faço com paixão, com entrega.
Toda energia compactada num gesto ainda não completo, todas as estradas à frente, nenhum peso às costas.
Afinal encontro a paz no momento imediatamente antes do salto.
O hoje absoluto repleto de amanhã.