BOCA-DE-FORNO

- Boca de forno?

- Booolo!

- Jacarandá?

- Dááá!

- Quando eu mandá?

-Vooou!

-Mando e remando a quem for

tomar a bênça a vovó.

E a turma corria,

cada qual e cada qual

querendo chegar primeiro:

- Bênça, vovó.

- Bênça, vovó.

- Bênça, vovó.

- Deus abençoe, Deus abençoe,

Deus abençoe a todo mundo.

Virge Maria, que é minino!

E a turma voava de volta,

cada qual e cada qual

querendo chegar primeiro:

Ai, brinquedos de criança!

Ai, vovó que já morreu!

Tantos anos, tantos anos

e o tempo mal percebeu!

Ai, vovó fazia doce

de coco, de melancia

pra que fossem todo dia

por muitas vezes no dia,

netos, bisnetos, trinetos,

à sua casa de taipa,

piso de barro batido...

- Vó,

Conte histórias de outros tempos,

quando você foi menina!

E vovó contando histórias,

a gente em pouco dormia.

A história se repetia

na noite do outro dia.

Crianças iam de noite,

todo dia, todo dia

para a casa da vovó

ao doce de melancia.

Vovó cobrava um tostão

em cada prato de doce.

E que prato, que pratão!

(fora os que dava de graça!)

- Pra que dinheiro, vovó?

- Comprar açúcar, meu neto!

Nunca vi vovó zangada...

Não me lembra, não me lembra.

se algum dia se zangou.

Vovó chorar, isto eu via.

Algumas vezes vovó

resmungava, lamentava...

cantarolando baixinho!

- Qui tem vovó, qué qui tem?

- Tenho saudade, meu neto,

dos tempos que eu era moça,

dos tempos que era menina!

Vovó chorava baixinho,

fazendo rendas e bicos

para vender a tostão.

- Pra que dinheiro, vovó?

- Pra comprar linha, meu neto!

Ai, vovó, que é da vovó?

Ai, que é dos tempos de outrora.

quando eu era pequenino,

comia doce de coco

e doce de melancia,

um prato por um tostão

e ainda enganava vovó?!

Ai, que é dos tempos passados?

Boca de forno,

Galinha gorda...

- Galinha gorda?

- d´água ééé!

E tibungo, no fundo do rio!

Jogar castanha ao bitelo...

- Ganhei!

- Não, eu ganhei!

E lá vai um pega-pega,

um bolo de fim de mundo!

Se a gente voltasse um dia

a ser criança outra vez...

Mesmos pais e mesma avó,

mesmos brinquedos de pobre

na mesma terra natal!

Mesmos tempos do tostão!

Oh, brinquedos de criança!

Oh, vovó que já morreu!

Tantos anos, tantos anos...

e o tempo mal percebeu!

(Do livro - Sonhos de João)