O retirante - by-Caio Lucas & Aisha
Lá está ele a beira da estrada carregando a vida bruta,
vez ou outra caminha ao lado da cerca de palmas,
alimento que resta e divide com outro animal,
sua boca não tem fala, nem lamentos, os pés sem rumo.
Vestem as mãos
os calos que mostram o trabalho
com a força do sangue que rega a terra
que seca descansa sob o sol que castiga.
Na cacimba larga o lamento velando a morte do olho d´agua,
o choro na terra já não existe, não molha,
enquanto um sol inteiro invade margeando os sonhos,
fica a seca, a boca sem alimento, as palavras sem som.
No rosto, o cansaço aparente,
na pele, os mesmos desenhos do solo ressequido pelo tempo,
na alma, o calor que alimenta o corpo que a fome maltrata,
caminha o retirante levando às costas o mundo que conhece.
A lua corta o céu em pedaços traçando caminhos sem nuvens,
sua reza é forte, seus deuses parecem surdos,
os pés sagram nas rachaduras impregnadas de terra vermelha,
a teimosia não deixa a vida, seu corpo segue seu destino.
Passo a passo, planta suas esperanças seguindo a trilha velha
deixando suas raízes na semente que não germinou,
carrega na alma somente imagens semi-apagadas
do sofrimento e da terra que os seus deixaram de herança.
No rosto a tristeza marca com rugas rasgando a pele dura,
nos olhos sem esperança nenhum alento,
o vento veio fraco noite passada, do calor sobe o mormaço,
na barriga apenas o ronco da fome que mata.
E pensa o homem castigado pela vida que lhe cobra em juros,
muda-lhe o destino lançando-o longe de sua origem.
E em meio a tantos novos sonhos, ganha nova identidade
tornando-se apenas mais um a gritar por dignidade e pão.
Perdido na imensidão da cidade grande,
seu roçado anda sumido na noite da sua imaginação,
os sonhos secaram como as matas da caatinga,
restou um céu com goteiras do teto de um barraco velho.
Uma gota, parte de um mar criado pela dura seca
que lhe tirou a vida convertendo-o em pó somente,
e na terra de seus ancestrais
apenas a morte alimentada por velhas sementes...
03/02/2006